BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A aprovação da Reforma Tributária deve aliviar a carga que hoje incide sobre segmentos como indústria, alojamento e alimentação, mas deve elevar as alíquotas cobradas sobre construção civil e boa parte dos serviços, mostra um estudo do Itaú Unibanco obtido pela reportagem.
A redistribuição da carga entre os setores é um dos temas mais sensíveis da Reforma. O temor de alta nas alíquotas levou a uma corrida por exceções e tratamentos específicos na tramitação da PEC (proposta de emenda à Constituição) na Câmara dos Deputados. A discussão tende a ganhar força novamente no Senado.
Para medir o impacto do modelo IVA (Imposto sobre Valor Agregado) sobre cada setor da economia brasileira, o Itaú analisou o texto aprovado pela Câmara e calculou quanto seria a alíquota total dos novos tributos sobre consumo. O relatório é assinado pelos economistas Claudia Bruschi e Pedro Schneider.
Nas contas do banco, a cobrança pode chegar a 27,5%, já incluindo a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) federal e o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) de estados e municípios, além de outros elementos previstos na Reforma.
Essa seria a alíquota necessária para manter a arrecadação constante como proporção do PIB (Produto Interno Bruto). Os especialistas usam dados desagregados por setor de fontes oficiais como Receita Federal e IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) para fazer as estimativas.
Os cálculos já consideram eventuais casos de alíquota reduzida, correções necessárias devido à participação no setor de empresas do Simples Nacional (cuja carga permanecerá igual), exportações (que ficarão isentas do novo IVA) e o atual grau de informalidade da economia (uma medida de quem não recolhe tributos como deveria).
“Ressaltamos que a alíquota pode ser menor, caso haja aumento do grau de conformidade e formalização”, diz o relatório.
Com base nessas premissas, o Itaú estima que os setores com maior aumento de carga serão construção civil, atividades técnicas, água e saneamento, serviços domésticos, atividades administrativas e indústria extrativa. A tributação sobre essas atividades tende a subir 8 pontos percentuais como proporção da receita. Em alguns casos, isso pode significar o triplo da cobrança atual.
Até mesmo atividades beneficiadas pelas alíquotas reduzidas, como saúde, educação e transporte, teriam algum aumento de carga, embora em menor magnitude.
No entanto, o banco faz duas ressalvas que podem levar a variações no resultado final. “A nível das empresas, é possível que benefícios tributários, regimes especiais e estrutura (por exemplo, uma empresa pode estar em mais de um setor) possam gerar resultados substancialmente diferentes”, diz o documento.
Outro ponto importante é que as empresas também recolhem tributos sobre seu lucro, o que pode levar a variações de carga conforme o setor e o faturamento após a Reforma.
O segmento de alojamento e alimentação, hoje com uma das maiores cargas sobre suas receitas, se manteria na liderança, embora tenha um alívio estimado em 8 pontos percentuais. O setor é intensivo em mão de obra e tem uma cadeia de produção curta o que o torna menos apto a aproveitar créditos de tributos pagos na aquisição de insumos.
Outras atividades devem ter redução de carga com a Reforma, como a indústria de transformação, eletricidade e gás e o agronegócio. Eles devem se beneficiar da maior possibilidade de abater esses créditos ou da desoneração de exportações.
A economista Claudia Bruschi, uma das autoras do estudo do Itaú, afirma que não se trata de apontar “perdedores e ganhadores” com a Reforma, mas sim medir e apontar os possíveis resultados da aprovação da PEC.
“A gente não está tentando fechar um número, falando que vai ter um aumento setorial de tantos porcento. Aqui no Brasil, o mix de composição setorial entre Simples, lucro real e [lucro] presumido [diferentes regimes tributários usados pelas empresas] é bem diverso. A gente só quis dar um grau qualitativo de quais setores poderiam ser mais impactados ou menos impactados dentro da Reforma”, diz.
Nas estimativas do banco, o aumento de carga tem maior chance de ocorrer sobre empresas que faturam até R$ 78 milhões ao ano e hoje pagam uma alíquota menor de PIS/Cofins (3,65%), mas sem direito a abater créditos obtidos na aquisição de insumos (chamado regime cumulativo). Segundo o Itaú, as declarações dessa categoria à Receita Federal concentram aproximadamente 10% das empresas, dos vínculos trabalhistas e da receita bruta.
Isso não significa, porém, que o saldo final será negativo. “A gente olhou em uma lente em termos de alíquota, mas em termos de resultado indireto, quando se está falando em aumento de produtividade e, consequentemente, de PIB, de crescimento econômico, todo mundo, no fim, vai ter um impacto econômico positivo”, acrescenta Bruschi.
O próprio governo tem argumentado que a aprovação da PEC pode impulsionar o crescimento econômico, o que traria benefícios a todos os segmentos. Não há, porém, uma divulgação oficial do Ministério da Fazenda que mensure esses impactos e as consequências sobre a carga tributária dos setores.
Nas últimas semanas, outro estudo sobre os impactos da Reforma Tributária causou polêmica. Como mostrou o jornal Folha de S.Paulo, uma nota técnica do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada) estimou que a alíquota efetiva do novo tributo brasileiro para taxar o consumo de bens e serviços ficaria em 28,04% a maior do mundo para um IVA.
O Ministério da Fazenda divulgou uma nota para dizer que o estudo desconsiderava alguns fatores, como o efeito da redução da sonegação. Na quarta-feira (19), a ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) levou a presidente do Ipea, Luciana Servo, a uma reunião com o ministro Fernando Haddad (Fazenda) para esclarecer a projeção do órgão.
Bruschi, do Itaú, afirma que de fato a alíquota pode ser menor do que os 27,5% estimados pelo banco, mas o estudo ilustra o efeito da Reforma caso o nível atual de informalidade se mantenha.
“A gente vê que existe uma possibilidade, sim, de reduzir tanto a [falta de] conformidade quanto o nível de informalidade. Então, poderia ter algum estímulo para você aumentar isso, e seria um resultado bem mais positivo para a economia”, afirma.
IDIANA TOMAZELLI E NATHALIA GARCIA / Folhapress