BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Construído e inaugurado junto com Brasília, entre 1959 e 1962, o antigo edifício-sede do Banco do Brasil foi vendido por R$ 85 milhões e teve parte dos vidros e esquadrias da fachada removidos por uma construtora sem autorização oficial.
A obra está embargada desde o dia 11 pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Também houve recomendação de embargo do Condepac-DF (Conselho de Defesa do Patrimônio Artístico e Cultural do Distrito Federal), órgão vinculado à Secretaria de Cultura do DF.
Um dos prédios mais icônicos do Distrito Federal, o chamado “Sede 1 do Banco do Brasil” pertencia ao BB Fundo de Investimento Imobiliário Progressivo, mas foi comprado pela construtora Paulo Octávio em 1º de julho.
As quatro certidões do imóvel indicam a venda da torre de 21 andares por R$ 43.324.500; da agência bancária e da sobreloja por R$ 19.329.000; e de duas salas, uma por R$ 10.370.000 e outra por R$ 11.976.500 (totalizando R$ 85 milhões).
Os vidros e esquadrias foram completamente removidos em três pavimentos. Como a fachada não possui outro material, é possível observar o interior do edifício.
A construtora não explicou se já fez alguma mudança na parte interna, mas prometeu manter o projeto original, “apenas com a troca de materiais já desgastados pelo tempo ou inservíveis”. Disse, ainda, que vai preservar todas as características originais.
“A ideia é restaurar o edifício, mantendo todas as suas características originais. A obra consistirá na substituição ou recuperação dos materiais ou equipamentos que estiverem fora das normas ou sem condições de funcionamento”, disse em nota.
“Todas as obras de arte existentes no edifício serão mantidas, preservadas e conservadas. A agência continuará ocupando o térreo do edifício, por conta de contrato assinado entre as partes”, completou.
Projetado pelo arquiteto Ary Garcia Roza, o imóvel abriga três painéis do artista Athos Bulcão, mural em bronze de Bruno Giorgi, além de dois painéis e paisagismo de Burle Marx.
O prédio começou a ser construído quando o Banco do Brasil ainda fazia as vezes de autoridade monetária (o Banco Central só seria criado 5 anos depois, em 1964) e foi usado para tentar atrair os servidores que resistiam a trocar o Rio de Janeiro por Brasília.
Apesar de não ser tombado, o edifício recebeu “indicação de preservação” na lei que criou o chamado PPCUB, Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília sancionado em agosto e regulamentado na quinta-feira (17).
A lei exige a aprovação do projeto junto ao Governo do Distrito Federal, ao Condepac e ao Grupo Técnico Executivo formado por Iphan-DF, DF Legal (órgão responsável pela fiscalização) e pelas secretarias de Cultura e Habitação o que não foi feito.
O Iphan afirma que a empresa apresentou uma notificação da Defesa Civil que exigia a entrega de laudo técnico sobre os riscos encontrados. Segundo o instituto, a construtora apresentou dois laudos de empresas privadas.
Um deles recomenda “a remoção de todas as esquadrias das fachadas, para execução de novo projeto corretamente estruturado, mantendo as características originais” e outro aponta “estado de ameaça iminente de colapso dos materiais”.
A reportagem pediu à Paulo Octávio a cópia dos laudos. A empresa respondeu que não pode divulgar documentos internos a terceiros devido às políticas próprias de compliance. Disse, ainda, que a paralisação é controversa porque o Código de Obras do DF (conhecido como COE) dispensa a obra de licenciamento.
“Edifícios não tombados, como é o caso, são dispensados do processo de licenciamento. Mas estamos apresentando as devidas explicações aos órgãos citados, para que sejam removidas quaisquer dúvidas”, afirmou a empresa.
Segundo o Iphan, a Paulo Octávio solicitou a suspensão do embargo, mediante TAC (termo de ajustamento de conduta) em que se compromete a executar a obra somente após a aprovação do projeto. O instituto emitiu parecer técnico e indicou a possibilidade de suspensão parcial do embargo após o TAC.
“O Iphan emitiu parecer técnico e indicou a possibilidade de suspensão parcial do embargo, mantido para o último pavimento-tipo e andares superiores, após a assinatura do TAC, a fim de dar tempo à execução do levantamento de forma suficientemente detalhada para garantir a reconstituição a mais fiel possível das esquadrias existentes.”
Desde que o Banco do Brasil deixou o espaço, em 2015, e transferiu as diretorias para prédios novos (e de fachada espelhada), o edifício ficou praticamente vazio. Apenas a agência bancária do BB no térreo continua funcionando.
O presidente do IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil) Distrito Federal, Luiz Sarmento, diz que o local foi um dos únicos escolhidos pessoalmente por Lúcio Costa, responsável pelo projeto urbanístico do Plano Piloto.
“Lúcio Costa estabeleceu, na Asa Sul, o Banco do Brasil como o prédio mais alto e em frente a uma grande praça sendo portanto o mais visível e, na Asa Norte, os Correios. São os mais altos dos seus setores”, explica.
“JK convidou Niemeyer para fazer esse prédio, mas Niemeyer repassou a Ary Garcia Roza, que havia ganhado o concurso na década de 1950 para construir a nova sede do Banco do Brasil, na então capital, Rio de Janeiro. E assim foi feito.”
A praça que fica em frente ao edifício testemunhou manifestações históricas dos bancários e ficou conhecida como Praça do Cebolão, em referência ao nome do antigo jornal dos bancários do Banco do Brasil de Brasília.
O pedido de tombamento da obra foi apresentado ao Iphan em 2016 pelo CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil). O instituto disse que o processo foi instruído pela Superintendência do Distrito Federal e está em análise.
Após contato da Folha na quarta (16), a Secretaria DF Legal esteve no prédio na quinta e informou ter notificado a construtora “a apresentar projeto aprovado e licenciamento da obra em andamento nas fachadas e pavimentos superiores, conforme determina o PPCUB”.
A Secretaria de Cultura foi procurada pela reportagem, mas não houve resposta. O pedido de tombamento feito à secretaria está parado desde 2017, sem desfecho.
A Secretaria de Habitação disse que a dispensa de licenciamento “não isenta o interessado de cumprir normas técnicas, urbanísticas e de preservação, que possam existir” e que o edifício consta com indicação de preservação no recém-aprovado PPCUB.
THAÍSA OLIVEIRA / Folhapress