SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A exploração do branco sobre o não branco é a base da sociedade atual. Base comprovada pela história, com a colonização e a escravização de povos africanos e que também se materializa em estatísticas o poder econômico e político se concentra na mão de poucas pessoas. As brancas.
Isso não é coincidência, mas o sistema de domínio político, segundo o filósofo Charles W. Mills no livro “O Contrato Racial”. A obra, lançada em 1997, chegou ao Brasil neste ano, em uma edição comemorativa lançada pela Zahar, selo da Companhia das Letras.
Mills nasceu em Londres, foi criado na Jamaica e desenvolveu seus estudos nos Estados Unidos. É um dos pioneiros da chamada teoria racial crítica e foi, inclusive, uma das referências para o trabalho da filósofa e escritora brasileira Sueli Carneiro.
No livro, ele explica como um acordo de exploração estabelecido no século 15, época das grandes navegações, possibilitou a organização da sociedade atual. “Supremacia branca é o sistema político não nomeado que fez do mundo moderno o que ele é hoje”, escreve logo na primeira linha.
O autor parte da noção de contrato social explorada por filósofos considerados clássicos, como os ingleses Thomas Hobbes e John Locke, que estabeleceram uma série de regras para o funcionamento de uma sociedade ideal e hipotética.
Mills argumenta que os acordos sociais, como liberdade e igualdade, como descritos pelos europeus, não encontram correspondência histórica. O contrato racial, por outro lado, é real. Essa hierarquia racial foi instalada antes mesmo do desenvolvimento da noção de raça ou racismo.
“A raça nasceu para dar significado às relações de poder que se estabeleceram ao longo da história, ela só surge no século 19”, afirma Lia Vainer Schucman, doutora em psicologia e autora de “Branquitude: Diálogos sobre Racismo e Antirracismo”.
Mills descreve como o contrato racial naturalizou a ideia de que a população está dividida entre pessoas (brancos) e subpessoas (não brancos) a exemplo da colonização, civilizados e nativos, cristãos e pagãos.
Este pacto asseguraria o domínio econômico da Europa a nível global, e criaria o privilégio branco na hierarquia racial de cada país. Além disso, este acordo não é nomeado.
“Todos sabem do contrato, mas afirmam não saber”, diz Schucman. Isso torna palatável a ideia de que a sociedade como existe hoje é baseada no racismo. No Brasil, essa estrutura está evidente “a ponto de você visitar locais turísticos e todas as pessoas servindo serem negras, enquanto todas sendo servidas são brancas”, afirma a autora.
A exploração econômica é a base desse sistema, mas se ampara em mecanismos simbólicos. O ideal de beleza, de bondade e de inteligência não está associado aos negros ou aos povos indígenas. Essas nuances, de apagamento epistemológico e cultural, são parte da manutenção do contrato racial.
“Temos um aparato de violência tão garantido, que não é um problema quando aparece um negro em um lugar de destaque. Eles são a exceção usada para fazer parecer que o contrato racial não existe”, afirma Schucman.
A presença de uma ou outra pessoa negra em posições de destaque mascara o contrato racial e cria a falsa sensação igualdade, segundo Mills.
Schucman aponta um ponto importante da teoria do filósofo a diferença entre supremacia branca e branquitude. Enquanto a supremacia branca é o poder econômico, político e jurídico na mão de poucos brancos, a branquitude é o respingo dessa supremacia, que justifica que brancos sem poder material sintam-se superiores aos não brancos.
O contrato racial beneficia todos os brancos, segundo Mills. Mas nem todos precisam ser signatários dele. Isso quer dizer que, sabendo deste sistema de exploração, há a possibilidade de negá-lo e aliar-se a uma luta antirracista.
Para Fernando Baldraia, historiador e editor do livro de Mills no Brasil, não assinar este contrato significa redistribuir recursos econômicos. “Quanto mais recursos uma pessoa tem, mais ela pode renunciar para que uma pessoa não branca ocupe aquele lugar. Redistribuir riquezas significa redistribuir poder”, diz.
Para ele, o respeito às pessoas não brancas, a religiões de matriz africana, às características físicas da negritude e às expressões culturais não ocidentais são o mínimo para o convívio em sociedade, e não caracterizam a negação do contrato.
Os diálogos estabelecidos entre intelectuais negros do Brasil e do exterior estão começando a evoluir e a sair do ambiente acadêmico, acredita Baldraia. Estes nomes que despontam na filosofia, ainda a passos lentos em meio a entraves institucionais, poderão responder perguntas colocadas por Mills e possivelmente criar estratégias para o desmonte do contrato racial.
O CONTRATO RACIAL
Preço R$ 74,90 (R$ 232 págs.); R$ 39,90 (ebook)
Autoria Charles W. Mills
Editora Zahar
Tradução Téofilo Reis e Breno Santos
CATARINA FERREIRA / Folhapress