Contratos temporários explodem na gestão pública, que sofre pressão judicial

RIO DE JANEIRO, RJ, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Entre 2017 e 2021, as contratações sem vínculo permanente na administração direta dos estados saltaram de 266 mil para 444 mil, um avanço de 67%, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

O aumento de servidores temporários cria um acúmulo de processos na Justiça do Trabalho com contestações legais contra gestões estaduais e municipais. Sem uma lei nacional para uniformizar esse regime em todo o país, funcionários temporários do setor público entram na Justiça para demandar direitos trabalhistas.

A judicialização ocorre porque os vínculos por tempo determinado estão sujeitos às leis dos estados e municípios, que por vezes não contam com regulamento específico para essas contratações. Assim, há funcionários temporários sem direito a FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) ou licença-maternidade –benefícios dados aos demais servidores.

Com a reforma administrativa, o quadro pode mudar. Se aprovada, a PEC 32 vai permitir que a União edite uma norma geral sobre a contratação por tempo determinado para toda a administração pública. Por outro lado, a reforma prevê contratos de servidores temporários por até dez anos, um prazo considerado longo.

Vera Monteiro, professora de direito administrativo da FGV (Fundação Getulio Vargas), diz ver um movimento para manter aqueles que já ocupam esses cargos por mais tempo.

“É um estímulo para que não haja um bom planejamento da força de trabalho, porque ter um temporário por dez anos não dá para os dirigentes atuais o ônus de pensar em resolver o problema de RH do estado.”

Lançado no ano passado, o Perfil dos Estados Brasileiros, publicado anualmente pelo IBGE, mostrou que, em 2021, 18% do quadro pessoal da administração direta estadual –ou seja, órgãos públicos que representam o estado, como as secretarias– estavam sob regime temporário. Em 2017, essa proporção era de 10,2%.

Contratos por tempo determinado no serviço público foram previstos pela Constituição para suprir necessidades de excepcional interesse público. Em 1993, a lei 8.745 especificou essas necessidades, que incluem a assistência em emergências de saúde pública, como ocorreu durante a Covid-19. Mas a modalidade tem sido usada de forma indiscriminada, segundo especialistas.

Desde 2006, o Ministério Público questiona a Prefeitura de Taubaté (SP) pela contratação por tempo determinado de ao menos 300 servidores. Ainda que a Constituição permita temporários em casos de necessidade excepcional, eles seguiram trabalhando no setor público do município por anos, no que a promotoria diz ser um uso indevido do regime.

O Superior Tribunal de Justiça deu ganho de causa ao Ministério Público, mas a Prefeitura de Taubaté recorreu e aguarda nova decisão. Nenhum dos servidores foi demitido, segundo o município.

No Ceará, a promotoria também tem questionado municípios sobre a contratação de temporários. Apuração da reportagem encontrou ao menos cinco cidades cearenses abordadas somente no mês de agosto.

Segundo Aureliano de Nascimento Barcelos, promotor do estado, os servidores vêm sendo contratados por anos sucessivos pela administração pública, o que demonstra que não existe nenhuma situação emergencial e excepcional a fundamentar a contratação.

Segundo Vera Monteiro, o aumento está relacionado a uma má gestão, em que o Estado não se planeja para fazer concursos públicos e, na falta de pessoal, fazem contratos por tempo determinado.

Além disso, parte da força de trabalho hoje não têm interesse em permanecer indefinidamente na administração pública, o que eleva o número de temporários.

Para Mariana Braunert, professora de administração pública da UFPR (Universidade Federal do Paraná), o discurso de Estado inchado fortaleceu a tendência.

“O empregado público passa a ser visto como um problema fiscal. Afinal, há funcionários admitidos por concurso que se tornam uma despesa permanente, enquanto os temporários têm uma contratação mais barata e flexível”, declara.

A rotatividade pode prejudicar a continuação e qualidade de serviços públicos. Segundo Brauner, a estabilidade do servidor é uma vantagem, por permitir que ele tenha mais experiência para tocar ações e fazer propostas.

É o que também afirma Rudinei Marques, presidente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Tipicas do Estado. Ele diz que o problema preocupa os servidores pelas condições mais precárias de trabalho dos temporários.

“Enfraquece a administração pública como um todo, perde-se memória institucional, sem contar que algumas atividades, como comissões sindicantes, exigem servidores efetivos.”

Para o advogado Ricardo Ferrari, presidente da Comissão de Direito Administrativo da OAB-SP, o questionamento sobre a contratação de temporários passa longe dos olhos dos cidadãos.

“Não importa para o cidadão se o serviço está sendo prestado por um servidor efetivo, estatutário ou até mesmo terceirizado. Para ele, o que importa é que o serviço público seja bem prestado.”

Segundo o advogado Pedro Amorim de Souza, do Martins Cardozo Advogados Associados, as leis federais que existem hoje sobre contratação temporária no serviço público são lacônicas, com muitas decisões sendo tomadas a partir de jurisprudência.

“Fica muito complicado, pois, normalmente, as pessoas que estão trabalhando na administração pública não têm o treinamento jurídico para ter um conhecimento profundo sobre todos os pequenos detalhes de cada uma dessas decisões.”

EMBATES NA JUSTIÇA DO TRABALHO

Dados do Relatório Geral do Tribunal Superior do Trabalho de 2022 indicam que os novos casos de processos trabalhistas referentes à administração pública correspondem a 7,6% do total no país, cerca de 171 mil.

O Maranhão conta com o maior percentual, seguido por Piauí e pela região judiciária de Campinas (SP). Do total de casos novos recebidos por atividade econômica, 23,6% correspondem à administração pública.

Em nota, o governo maranhense informou que “em sua maioria, a judicialização que envolve servidores temporários diz respeito ao pagamento de verbas não previstas no contrato ou na lei de temporários, buscando-se uma indevida aplicação do Estatuto dos Servidores, bem como discordância quanto à finalização do contrato quando se verifica infração disciplinar cometida pelo contratado”.

LUANY GALDEANO E EMERSON VICENTE / Folhapress

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