Converter dívida em investimento verde não é solução, diz chefe do Banco Africano de Desenvolvimento

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O plano de converter dívida pública em investimento verde para equacionar o endividamento de países da África é visto com cautela pelo presidente do AfDB (Banco Africano de Desenvolvimento), Akinwumi Adesina. Para ele, a proposta –que conta com o apoio de países como o Brasil– não é uma solução durável para o problema.

O representante africano compara a medida a um tratamento pouco efetivo contra malária: ajuda, mas não cura. Na visão de Adesina, é um instrumento útil dentro de um conjunto de ferramentas que podem ser mobilizadas para lidar com a crise do continente africano de forma estrutural.

Com agendas de interesse comum ao G20, o chefe da instituição defende a adoção de uma série de mecanismos financeiros inovadores, como a canalização dos direitos especiais de saque (SDR, na sigla em inglês) por meio de bancos multilaterais de desenvolvimento –proposta aprovada pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) em maio.

“Quero ter um olhar mais amplo para a questão da dívida, não um olhar temático. Acho que a troca de dívida por natureza é uma parte muito microscópica do problema”, disse o presidente do banco de fomento em entrevista à Folha de S.Paulo e à Reuters durante sua passagem pelo Brasil, em abril.

A dívida externa da África chegou a US$ 824 bilhões e, apenas neste ano, o continente pagará cerca de US$ 74 bilhões em razão dela –um aumento acentuado em relação aos US$ 17 bilhões de 2010.

Em passagem pela Angola, em agosto do ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) jogou luz sobre o efeito “bola de neve” da dívida dos países africanos e falou em “tentar sensibilizar as pessoas que são donas dessas dívidas para que sejam transformadas em apoio a [obras de] infraestrutura”.

Para o presidente do AfDB, a construção de uma abordagem estrutural começa com a implementação de um arcabouço comum do G20 de forma que seja possível chegar a uma resolução mais rápida e ordenada para confrontar a dívida dos africanos.

Ele destaca, em segundo lugar, a importância de ter um aumento de financiamentos em condições mais favoráveis do que as de mercado, com recursos subsidiados, para essa região.

“O custo de financiamento está subindo devido à elevada taxa de juros no curto prazo que a África está pagando. Então, a África precisa de muito mais financiamento concessional para poder resolver esse problema”, diz.

Nesse contexto, Adesina considera que os direitos especiais de saque podem desempenhar um papel importante se forem canalizados por meio dos bancos multilaterais de desenvolvimento.

Os direitos especiais de saque são ativos de reservas internacionais criados pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) para complementar as reservas oficiais dos países-membros, podendo prover liquidez a esse grupo de participantes. A unidade de conta é calculada com base em uma cesta de cinco moedas –dólar, euro, iene, libra esterlina e renminbi (yuan chinês).

Um dos desafios técnicos encontrados foi endereçado em conjunto com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) para que o instrumento possa manter o estatuto de ativo de reserva. Assim, se necessário, eles podem ser resgatados a qualquer momento.

Na visão do presidente do AfDB, o mecanismo pode ajudar a impulsionar empréstimos para países mais vulneráveis e acelerar o desenvolvimento global a partir de ativos ociosos.

Segundo Adesina, o banco africano de desenvolvimento poderia fazer uma alavancagem de três a quatro vezes do valor original dos direitos especiais de saque para empréstimos de longo prazo com baixa taxa de juros –em torno de 1%, ante a média de 8% a 10% cobrada dos países africanos pelo mercado.

“Quando se tem trilhões de dólares para cumprir o objetivo do MDB [na sigla em inglês, banco multilateral de desenvolvimento], não há uma única bala de prata. Acho que você precisa de várias balas, mas que sejam atiradas consistentemente para ser capaz de chegar aonde precisa ir”, diz.

Além do uso de direitos especiais de saque para aquisição de instrumento de capital híbrido, Adesina defende o aprimoramento do capital exigível –composto por fundos de emergência prometidos pelos países acionistas, mas não pagos– para impulsar os empréstimos dos bancos de desenvolvimento, como parte de uma reforma da arquitetura financeira global.

Outro instrumento trabalhado pelo AfDB é o “mecanismo de estabilidade financeira da África”, previsto para janeiro de 2025. A ideia é fornecer liquidez para apoiar países africanos que enfrentam dificuldades para obter refinanciamento de suas dívidas.

Recebido por Lula no Palácio do Planalto no fim de abril, Adesina destaca a credibilidade da presidência brasileira no G20. Segundo ele, o país coloca as necessidades dos países em desenvolvimento como prioridade e se relaciona com os outros “de baixo para cima, não de cima para baixo”.

No debate sobre transição ecológica, o chefe do AfDB se refere à África como o continente que menos polui e que mais sofre com o impacto negativo das mudanças climáticas. “Somos pobres sendo verdes”, diz.

O presidente do banco de desenvolvimento defende a reavaliação do PIB do continente africano com base em seus ativos naturais. “Se a natureza é tão importante que alguém tem que abater minha dívida de forma altruísta para que eu preserve essa natureza, por que essa natureza não é parte da minha riqueza?”

Essa foi uma das conclusões tiradas da Cúpula do Clima da África, realizada em Nairóbi (Quênia) no ano passado. Na ocasião, os líderes pediram a reestruturação da forma como as economias avançadas se relacionam com os países da região e o desbloqueio de recursos que impedem a transição energética justa no continente.

NATHALIA GARCIA / Folhapress

COMPARTILHAR:

Participe do grupo e receba as principais notícias de Campinas e região na palma da sua mão.

Ao entrar você está ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.

NOTÍCIAS RELACIONADAS