SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Há pouco mais de um ano, Tamara Stief passava seus finais de semana dentro de contêineres, dando plantões de 12 horas na venda de imóveis na planta.
Para além da rotina desgastante e do mercado machista, Tamara se sentia frustrada pelo próprio produto que vendia: apartamentos do tipo estúdio em torres de 40 andares, construídos com o orçamento mais enxuto possível e entregues com acabamentos que deixavam muito a desejar.
Há quase 15 anos no mercado imobiliário e totalmente desiludida, ela teve um ponto de virada quando decidiu anunciar um imóvel por conta própria no Instagram. Tamara patrocinou R$ 300 reais na plataforma, o vídeo teve mais de 100 mil visualizações, levou cerca de 30 compradores interessados para visitar o apartamento, vendido em menos de três semanas.
A partir daí, Tamara não parou mais. A rede social permitiu não só que ela se livrasse dos plantões intermináveis e infrutíferos, mas que vendesse uma ideia de moradia na qual acredita. Hoje com 140 mil seguidores, ela usa a plataforma como principal meio de anunciar os imóveis.
Nascida em Campo Grande (MT), Tamara chegou em São Paulo trabalhando como vendedora em loja de roupa, de lá migrou para lojas de móveis e há 15 anos começou na corretagem. “Quando entrei no mercado, não tinha visão nenhuma. Entrei por conta do ticket, pensei: ‘Se eu vendo sofá de R$ 100 mil, posso vender um apartamento de R$ 1 milhão'”, conta.
Sua trajetória passou pela Vitacon, incorporadora conhecida por fazer estúdios com metragem enxuta, voltados para locação. O menor deles tem 10 metros quadrados e foi inaugurado em 2022 na Santa Cecília, bairro da zona oeste paulistana, sob o marketing de ser o menor apartamento da América Latina.
“Não venderia para ninguém um apartamento de 10 metros quadrados. Pode funcionar como quarto de hotel. Mas a cidade está lotada disso, abarrotada. Quando o Alexandre [Frankel, dono da Vitacon] começou a falar nos estúdios, realmente era interessante, eu acreditava naquilo. Hoje, se você comprar um estúdio, você se ferrou, nunca mais vende”, dispara. “Hoje não vale a pena nem para morar, nem para investir.”
Mais do que perseguir boas vendas, Tamara é movida pelo que acredita e pelo desejo de que as pessoas tenham uma moradia satisfatória. Em seu vídeo no icônico Edifício Planalto, no centro de São Paulo, ela fala com brilho nos olhos, quase emocionada, sobre o terraço charmoso do arquiteto Artacho Jurado. Vendeu o apartamento em menos de um mês. “A responsabilidade no que eu faço é enorme. Se eu vender o imóvel errado, isso pode estragar a vida de uma pessoa”, diz.
Em outro vídeo, ela chora porque o Plano Diretor foi aprovado. “Vamos ser coerentes, vamos ser honestos. Nenhuma família vai morar em um estúdio”, protesta. “Acabaram com a Rua Augusta, acabaram com Pinheiros, a gente está ficando sem história”, lamenta.
O vídeo do Plano Diretor gerou mais um boom nas redes sociais e ela teve que implantar uma estratégia da noite para o dia. “Eu não estava preparada, tive que montar uma empresa, contratei 15 pessoas e meu marido passou a trabalhar comigo”, conta.
“O pessoal foi gostando do meu jeito sincero. Como eu tenho muita experiência, falo das coisas que penso sobre o mercado e acho que isso transmite confiança para os novos clientes”, diz Tamara, sem cerimônia. E ela acredita que inaugurou a técnica de vendas via Instagram.
“Acho que a gente criou esse negócio da venda no Instagram, desse jeito, mostrando, falando com sinceridade. Outro dia me mostraram uma corretora gringa fazendo algo parecido, mas o dela era mais sério. Nos primeiros vídeos eu tentei ser mais cerimonial, mas meu marido, que estava filmando, falou: ‘Seja você’. E deu certo, as pessoas se identificam”, conta.
“Faço os vídeos com muito carinho, muito amor e sinceridade. Sinto que estou ajudando as pessoas”, diz ela, que vende apartamentos entre R$ 1 milhão e R$ 10 milhões para “madames cool”, como gosta de chamar seu público.
Vida após a morte
Tamara acredita que abriu caminho não só para um novo estilo de corretagem mas também para o nicho de imóveis antigos.
“As imobiliárias que hoje são minhas ‘concorrentes’ trabalhavam só com empreendimentos novos. Agora estou percebendo que muita gente está vindo para o mesmo caminho dos prédios antigos. Fico feliz de mostrar que existe vida após a morte, porque tava todo mundo achando que São Paulo acabou, que seríamos todos obrigados a viver naquelas torres gigantes”, diz.
“As pessoas estão voltando a ver valor nos prédios antigos e acredito que eles vão valer mais ainda no futuro, com essa coisa das incorporadoras estarem acabando com a cidade”, aposta.
Tamara descreve as incorporadoras, que já conheceu bastante por dentro, como negócios muito focados em lucro e pouco preocupados com a cidade e com os moradores.
“É triste o que está acontecendo. É só gente que se preocupa muito com dinheiro, não pensam em quem vai morar, no entorno, na vizinhança. Sei que faz parte do crescimento, mas o Brasil ainda tem muito para onde crescer. Eu trabalhei em incorporadora e vi várias coisas podres”, revela.
“Eles economizam em tudo, vendem caro para o cliente e quando entregam é outra coisa. O prédio mais ‘alto padrão’ hoje em dia, eu considero zero padrão. Entregam tudo igual, o alto padrão e o Minha Casa Minha Vida são iguais: mesma grade, mesma cor, mesma janela, mesmo acabamento, não tem diferencial nenhum”, critica. “Não tem acabamento, não tem capricho, é feito sem alma.”
Tamara, de 41 anos, mora com o marido e a filha no Sumarezinho, zona Oeste da capital paulista. Antes de comprar a cobertura dos sonhos, morou numa casa dos anos 1950 na Lapa. Quando anunciou um apartamento no seu prédio, em um vídeo sorridente e ensolarado, convidando os seguidores para serem seus vizinhos, vendeu para o primeiro interessado.
“Prefiro milhões de vezes, trilhões de vezes os edifícios antigos. Antigamente, as construtoras colocavam aquelas placas enormes porque tinham orgulho dos prédios. Faziam pensando na cidade, nos clientes, entregavam com acabamentos bacanas, pensavam no conforto. Hoje, quando vemos essas torres sendo erguidas, a gente já pensa: ‘Sai de baixo’!”.
ANAHI MARTINHO / Folhapress