Corrida evolutiva entre cigarras e aves selecionou insetos mais ágeis no final do Jurássico

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A evolução de cigarras gigantes mais ágeis e com melhor capacidade de voo no final do Jurássico e início do Cretáceo, há cerca de 160 milhões de anos, pode ter sido impulsionada por uma corrida armamentista dos insetos com os seus predadores alados da época, as aves primitivas.

Com as primeiras aves se originando e diversificando no período, um grupo de cigarras conhecido como Paleontinidae apresentou formas distintas pouco antes do surgimento das aves, no início do Jurássico (há cerca de 200 milhões de anos), com aquelas do final do período, o que sugere que a guerra evolutiva foi travada por milhões de anos entre os dois grupos animais.

As conclusões estão em estudo publicado na última sexta (25) na revista especializada Science Advances. Assinam a pesquisa Chunpeng Xu, pós-doutorando no Instituto de Zoologia e Pesquisa em Evolução, da Universidade Friedrich-Schiller em Jena, na Alemanha, e também Bo Wang, da Academia Chinesa de Ciências, em Nanquim (China), entre outros.

Para avaliar a origem e a evolução do voo em cigarras gigantes, Xu analisou fósseis de quase todos os representantes dos dois grupos de cigarras gigantes já extintos, os Dunstaniidae, grupo que se originou no final do Permiano e viveu até o início do Jurássico, e os Paleontinidae, que viveram do final do Jurássico até o final do Cretáceo e são da mesma linhagem que originou as cigarras modernas.

Embora as cigarras gigantes já tivessem sido estudadas no contexto da sua origem e evolução por diversos outros cientistas, não havia nenhuma pesquisa que indicasse o que causou a mudança drástica na forma desses insetos há 160 milhões de anos —um período de aproximadamente 20 milhões de anos separando a rápida diversificação do meio do Jurássico (há 180 milhões de anos) com o final do Jurássico e início do Cretáceo.

Os autores buscaram, então, fazer uma filogenia, isto é, análise das relações de parentesco dos insetos que incluísse toda essa diversidade com base nos padrões morfológicos das asas.

Como a maioria dos fósseis do grupo consistia de exemplares bem preservados em placas rochosas calcárias formando impressões quase perfeitas do organismo extintos, foi possível analisar as características anatômicas das asas.

As asas dos representantes de Dunstaniidae, que surgiram muito antes das aves, eram maiores e mais largas, enquanto as asas dos paleontinídeos, que se diversificaram já em um ambiente onde existiam aves primitivas, eram mais compridas e esguias. Tal morfologia permite uma manobra rápida de direção durante o voo, conseguindo despistar melhor o predador.

Em seguida, eles calcularam qual seria a velocidade de voo para cada morfotipo da asa, dividindo elas segundo alguns pontos definidos em sua superfície. As asas dianteiras das cigarras (e da maioria dos insetos) são as principais envolvidas no voo, com as asas traseiras apenas servindo de suporte e batendo em sincronia com as anteriores. No caso das cigarras gigantes, os membros da família Palaeontinidae evoluíram asas até 92% mais eficazes no voo do que as asas dos primeiros representantes do grupo.

Por fim, eles avaliaram a massa muscular relativa de potência de voo nos dois grupos, que seria a razão entre o peso dos músculos de voo e o peso total. Uma massa muscular maior significa que uma maior porção do inseto está envolvida no voo, o que pode fornecer uma disponibilidade de potência mais alta e melhor curva de manobra, explica Xu. Os representantes dos paleontinídeos tardios tinham uma massa muscular 19% maior em comparação com as cigarras primitivas.

“Os resultados mostram que os Palaeontinidae tardios têm uma combinação de alta carga alar, alta massa muscular relativa de voo e uma razão de asa [largura X altura] maior, o que sugere que eles evoluíram uma capacidade de voo significativamente mais avançada”, diz.

Como essas mudanças ocorreram ao longo de dezenas de milhões de anos, os pesquisadores concluíram que tais vantagens adaptativas foram selecionadas por interações ecológicas com os principais predadores de insetos no ar, as aves, gerando o que os autores chamaram de “corrida aérea” evolutiva. Tal vantagem evolutiva continuaria no ramo que deu origem também às cigarras atuais, que são morfologicamente muito semelhantes aos paleontinídeos tardios.

Segundo Xu, isso sugere que as cigarras gigantes (Palaeontinidae) e as cigarras modernas adotaram o mesmo mecanismo de voo. “As evidências provavelmente sugerem que as cigarras modernas têm melhor capacidade de voo, com formas de asas mais esbeltas e a presença de veios [riscos] nas asas mais simplificadas. No entanto, não realizamos nenhuma análise para comparar a sua capacidade de voo neste estudo —planejamos resolver essa questão em trabalhos futuros”, afirma.

Como todo estudo paleontológico, há, no entanto, lacunas na pesquisa representadas em grande parte pela falta de informação sobre formas intermediárias —algo como a transição do grupo de cigarras mais primitivo e aquele que originou as cigarras modernas— e pela escassez de dados de outras características anatômicas dos fósseis, como partes do corpo ainda “presas” à rocha.

“Toda a taxonomia de Palaeontinoidea [grupo que inclui os Palaeontinidae e as cigarras atuais] é quase exclusivamente baseada nas asas, o que é muito comum para grupos de insetos extintos. Com certeza podemos ter uma filogenia melhor quando tivermos outras estruturas corporais incluídas em pesquisas futuras.”

Eles esperam, também, que o modelo aerodinâmico possa ser utilizado para outros grupos de insetos, mas ressaltam que o grupo é altamente diversificado e apresenta diferentes morfologias de asas, comportamentos e adaptações de voos correspondentes. “Diferentes ordens [de insetos] podem ter mecanismos de voo distintos, por exemplo, batendo as asas ou simplesmente planando, ou ambos. Assim, diferentes parâmetros de capacidade de voo devem ser considerados para cada grupo”, afirma.

ANA BOTTALLO / Folhapress

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