SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma intensa corrida pela Lua e uma temporada dedicada aos asteroides marcaram o ano de 2023 na exploração espacial. Entre todos os países e empresas que participaram dessas empreitadas, a Índia em particular ganhou respeito inédito, ao realizar a primeira alunissagem na região próxima ao cobiçado polo sul lunar.
Decerto não será o último. A área é cobiçada por americanos e chineses por seus recursos naturais –em particular gelo de água localizado no fundo de crateras onde a luz solar nunca bate, além de moléculas impregnadas no próprio solo–, e ambos planejam para a segunda metade desta década missões tripuladas até lá. Mas quem desceu primeiro por ali foi mesmo a Índia, com a missão Chandrayaan-3. O pouso, transmitido ao vivo, encantou o mundo em 23 de agosto, colocando os indianos em definitivo na lista das potências espaciais.
O resultado contrastou com duas outras tentativas de pouso realizadas neste ano, uma em abril, pela empresa japonesa ispace, e outra em agosto, pela Roscosmos, a agência espacial russa.
A primeira poderia ter tornado o Japão o quarto país a pousar na Lua (após Rússia, EUA e China), e a segunda poderia ter trazido um pouco de prestígio aos pioneiros do voo espacial, que hoje têm um programa que se deteriora a cada ano.
Ambas falharam, lembrando que realizar uma alunissagem bem-sucedida, sobretudo de forma remota, segue sendo um grande desafio.
Isso, contudo, não irá dissuadir países e empresas a seguirem perseguindo a rota lunar.
Uma nova sonda japonesa, a Slim, desta vez desenvolvida por sua própria agência espacial, já está a caminho da Lua, e deve realizar uma tentativa de pouso de precisão em 19 de janeiro. Ela puxa uma fila de carretos contratados pela Nasa para levar cargas úteis à superfície da Lua. O ano que vem será agitado por aquelas bandas.
O MAIOR FOGUETE DA HISTÓRIA
Pertinente à exploração lunar, o mundo teve a oportunidade neste ano de ver não um, mas dois voos do maior foguete já construído em toda a história. O veículo Starship, da SpaceX, de Elon Musk, foi o escolhido pela Nasa para levar tripulações à superfície da Lua, mas ainda há muito caminho pela frente para que ele possa fazer isso.
É, na prática, o segundo ano seguido em que vemos o foguete mais poderoso do mundo em ação. Em 2022, o detentor da marca era o SLS, da Nasa, também a ser empregado em missões lunares tripuladas. Ele era um pouco menos capaz que o Saturn V, usado pela agência para levar humanos à Lua no século passado, e é construído a passo de tartaruga -o próximo voo, só em 2024, se não chover. Já o Starship é mais capaz que o Saturn V, ambiciona ser reutilizável, poderá ser reabastecido no espaço e é fabricado em alta velocidade. Tanto que já voaram dois e um terceiro já está sendo aprontado, com peças para os próximos bem avançadas.
Faz parte da filosofia revolucionária da SpaceX, baseada em inovação rápida e testes seguidos em voo. Não por acaso, os dois primeiros lançamentos não foram totalmente bem-sucedidos, em contraste com a missão do SLS, que correu com perfeição.
No primeiro voo, em abril, o foguete não chegou a sair da atmosfera e, após a falha de múltiplos motores, não conseguiu sequer chegar à separação do segundo estágio.
Já no segundo, em novembro, os motores funcionaram perfeitamente, a plataforma de lançamento, em Boca Chica, no Texas, ficou intacta, e a ativação do segundo estágio se deu como previsto, levando o veículo até o espaço -mas ele acabou perdido pouco depois disso, antes mesmo de atingir sua velocidade final para uma inserção “quase orbital”, planejada para o voo.
Que ninguém subestime esses resultados. É assim que a SpaceX aprende, e a empresa já demonstrou que está à frente de essencialmente todo mundo com essa mentalidade.
Em 2023, a empresa se aproximou de cem lançamentos orbitais –é um foguete a cada quatro dias, em média– e lançou cerca de 80% de toda a massa levada ao espaço no mundo todo. É isso mesmo, ela sozinha lança muito mais que todo o resto do mundo. Com o Starship, a tendência é isso se acentuar ainda mais -e os preços devem cair.
O que isso vai significar para o futuro da exploração espacial ainda não está claro. Mas já dá para dizer que teremos muito mais dela nos próximos anos.
ASTRONOMIA E CIÊNCIA PLANETÁRIA
O ano foi de contemplação embasbacada para os astrônomos que puderam trabalhar com os primeiros resultados do telescópio James Webb, que iniciou suas operações em 2022.
Ainda é cedo, mas mesmo assim o novo equipamento da Nasa, da ESA e da CSA (agências americana, europeia e canadense) já trouxe grandes resultados, como análises dos exoplanetas mais internos do sistema Trappist-1 –alvo preferencial para a busca por mundos habitáveis, já que ele tem três mundos a uma distância adequada da estrela para preservarem água– e a descoberta de galáxias já bem desenvoltas nos confins do cosmos, que refletem a infância do Universo.
Os mundos Trappist-1 b e c se mostraram ser sem atmosfera apreciável, o que começa a responder a dúvida dos astrônomos sobre se planetas em torno de anãs vermelhas, astros menores, mais frios e mais ativos que o Sol, podem tê-las -condição essencial para que o planeta seja similar à Terra. Mas ainda há cinco mundos a serem estudados lá, justamente os mais interessantes, e o júri ainda não voltou com o veredito. Vai ficar para os próximos anos.
Já o estudo de galáxias distantes está revolucionando nossa compreensão da evolução do Universo desde o início de sua expansão, 13,8 bilhões de anos atrás. Começa a ficar claro que a formação de estruturas, como estrelas, galáxias e aglomerados galácticos, começou bem cedo, talvez antes de 300 milhões de anos após o Big Bang, e se desenrolou bem rápido -talvez rápido demais para ser explicado por nosso modelo cosmológico mais aceito. O futuro promete.
E para entender de fato o Universo, ainda precisamos descobrir de que 95% de tudo que há nele é feito –duas entidades misteriosas que os astrônomos chamam de matéria e energia escuras. Eles sabem que elas existem, mas não sabem o que são.
Uma nova missão lançada em julho deste ano pela ESA, a Euclid, promete trazer respostas. Após um início um pouco trepidante, os engenheiros conseguiram colocar o telescópio espacial para funcionar e ele já está trabalhando para construir um vasto mapa 3D do Universo. A ideia é mapear com precisão os efeitos da matéria e energia escuras, de forma a elucidar sua natureza.
Por fim, também tivemos importantes avanços na exploração do Sistema Solar além da Lua. A ESA lançou sua primeira missão a Júpiter, a Juice, e a Nasa despachou a sonda Psyche, que deve visitar um grande asteroide metálico chamado Psique, no cinturão entre Marte e Júpiter.
A agência espacial americana, por sinal, celebrou o que chamou de “outono dos asteroides”. Num espaço de três meses (entre setembro e novembro, outono no hemisfério norte, primavera no sul), ela concluiu a missão Osiris-Rex, trazendo amostras do asteroide Bennu, lançou a já mencionada Psyche e realizou o primeiro sobrevoo de um asteroide com a sonda Lucy, que está a caminho da órbita de Júpiter, onde estudará vários desses corpos que acompanham o planeta gigante em seu trajeto ao redor do Sol, população conhecida como troianos.
É um bocado de novidades, e isso sem mencionar todas as missões interplanetárias de vários países que seguem em operação por todos os cantos do nosso sistema. Estamos aos pouquinhos conhecendo e ocupando nosso quintal na Via Láctea, e 2023 foi um ano importante nessa trajetória rumo ao futuro. Mais virá por aí.
SALVADOR NOGUEIRA / Folhapress