SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Nas costas dos milhares de corredores que participaram da Disney Magic Run de 2023, pouco abaixo do nome da corrida, havia um patrocinador alheio ao mundo das práticas esportivas, do bem-estar ou mesmo da saúde: o banco digital Nubank, em sua modalidade Ultravioleta.
Na maratona do Rio, as camisetas têm cores diferentes a depender do circuito e da distância e, na edição deste ano, tinham como patrocinadores principais Claro, Raízen (junção da Shell com a brasileira Cosan), Michelob Ultra e Águas do Rio.
O que essas corridas têm em comum é o envolvimento de patrocinadores “não endêmicos”, ou seja, de setores alheios à prática esportiva, mas que, segundo organizadores e outros agentes desse mercado, vêm crescendo, ganhando espaço nos planos de marketing de companhias como uma frente de conexão com o consumidor.
A percepção é a de que, a partir da pandemia, mais gente aderiu às corridas e caminhadas, aumentando o tamanho do nicho formado por atletas amadores, recreativos e profissionais.
Já não basta patrocinar colocar o nome na camiseta, no pórtico de largada ou ter um backdrop (painel de lona usado para fundo de fotos). “A régua é a da emoção”, diz Bernardo Fonseca, fundador e CEO da X3M, que organiza eventos como o Uphill (maratona de provas de subida) e o Xterra, de práticas off-road.
“Agora, a gente está falando de experiências escaláveis, inesquecíveis. Há um consumidor ávido por conexão”, afirma Bernardo.
A edição mais recente da Uphill terminou no domingo (26), no topo do Corcovado. Os participantes encerraram a puxada subida do morro até o Cristo Redentor a ideia era finalizar com o pôr-do-sol, mas o dia estava nublado.
Há nove anos, quando realizou sua primeira edição, a Disney Magic Run não era uma desconhecida. O peso de uma marca consolidada e plenamente conhecida facilitava o desenho do evento, que é voltado para famílias os anfitriões da prova são a dupla Mickey e Minnie.
Ainda assim, a edição de 2023, a primeira desde 2019, foi além do que a empresa previa, tanto no interesse de corredores amadores, quando no interesse de marcas patrocinadoras.
As cerca de 10 mil inscrições, que custavam a partir de R$ 159, foram totalmente vendidas em 24 horas. “Nos supreendeu muito e tivemos que gerenciar essa frustração [de quem não conseguiu]”, diz Claudia Neufeld, vice-presidente de marketing da Walt Disney Company Brasil
Giselle Ghinsberg, chefe do núcleo Dasp (Propagandas, Vendas e Parceiras Disney, na sigla em inglês), diz que a corrida é evento de importante “cauda longa” para a companhia. O consumidor, na avaliação da executiva, está ávido por experiências e isso afeta o planejamento do evento. É necessário pensar como amplificar o efeito da data e das interações.
Na corrida da Disney, a palavra-chave, segundo a empresa, é o encantamento. Desde a pré-venda, depois na inscrição. O dia de entrega de kits, na véspera da corrida, é “parte da magia”, diz Giselle. Neste ano, o Nubank comandou uma oficina para customizar as camisetas. No dia da corrida, o patrocinador montou um estande de “aquecimento mágico”.
Claudia e Giselle não abrem números ou valores, mas dizem o que crescimento no faturamento com patrocínio foi na ordem de 500%. Mais empresas e marcas maiores se interessaram em criar ações e o que mercado de propaganda chama de ativações de marca.
Em São Paulo, o número de corridas de rua registradas pela prefeitura voltou a crescer neste ano. Até o início de novembro, 157 haviam sido realizadas. No ano passado, foram 128, mas o início do ano ainda tinha sido marcado pela onda de contaminações pela variante ômicron da Covid-19, adiando muitos eventos.
Daniel Krutman, CEO da Ticket Sports, a maior plataforma de vendas de participação em corridas, estima que fechará 2023 com 1,4 milhão de inscrições. O resultado é 46% maior do que 2022, mas Krutman ressalva que a base (o ano anterior) havia sido ruim. Mesmo assim, a projeção de crescimento para o ano que vem deve ficar na faixa de 20% a 30%.
Com 15 anos no setor, Krutman vê um aumento no interesse dos patrocinadores não endêmicos, mas, segundo ele, a maioria dos organizadores ainda depende do dinheiro das inscrições que custam, em média, R$ 140.
As mais baratas, de R$ 20 a R$ 30, têm mais chances de conseguir patrocínios via leis de incentivo. Entre as mais caras, destaca-se a São Silvestre, que custa a partir de R$ 240. Para este ano, as inscrições estão esgotadas.
Para quem organiza corrida, além do dinheiro para organizar e lucrar, o patrocínio ajuda a chancelar a seriedade do evento.
Um estudo divulgado pela Ticket Sports e pela marca de artigos esportivos Netshoes em outubro aponta que, para 57% dos participantes de corridas, a presença de grandes marcas em eventos esportivos é um “fator de felicidade”.
Segundo Krutman, o dado pode ser lido pelo aspecto da confiança na seriedade da corrida, mas também pelo caminho das ativações de marcas, as ações promovidas pelas empresas antes, durante e depois das corridas.
Para o empresário, um exemplo de projeto de ativação foi o feito pela Adidas na Maratona do Rio deste ano, que incluiu o lançamento de um tênis para o evento, um túnel imersivo por onde corredor podia medir a velocidade de seus passos e um estúdio de tatuagem. “Foi muito emblemático do que dá para fazer.”
Bernardo Esteves, da X3M, diz que projetos “fora da caixa” se destacam. “Até recentemente, as marcas endêmicas eram meio obviamente patrocinadoras. Agora, outras marcas querem se apropriar o lifestyle.”
Esteves também aposta em crescimento para o ano que vem, ainda que menos do que em 2023, quando houve sobreposição de eventos (ainda um reflexo de cancelamentos e adiamento da pandemia). Mesmo assim, a X3M prevê alta de até 35% no lucro líquido.
FERNANDA BRIGATTI / Folhapress