Cortar superpoluentes pode evitar 0,6C° de aquecimento até 2050, diz relatório

MADRI, ESPANHA (FOLHAPRESS) – Diante dos sucessivos recordes de temperatura no planeta, os cientistas têm discutido alternativas para frear os termômetros de forma rápida. Um novo relatório propõe aumentar os esforços contra os chamados superpoluentes climáticos: um grupo de gases-estufa menos abundantes, mas com alto potencial de aquecimento.

Produzido pelo Instituto de Governança e Desenvolvimento Sustentável (IGSD, na sigla em inglês), organização não governamental baseada em Washington, nos EUA, o briefing científico afirma que o corte dessas substâncias pode evitar que a Terra esquente até 0,6°C ate 2050. O potencial é ainda maior na América Latina e no Caribe, onde a redução na temperatura pode chegar a 0,9°C.

Embora sejam menos abundantes do que o dióxido de carbono (CO2), os poluentes climaticos de vida curta, cujos principais representantes são o metano (CH4), o carbono negro (fuligem), o ozonio troposferico (O3), e os hidrofluorcarbonos (HFCs), podem ser entre dezenas e milhares de vezes mais potentes no aquecimento da Terra do que o CO2.

A incorporação de uma estratégia abrangente para reduzir essas substâncias teria o potencial de evitar quase quatro vezes mais aquecimento, no mesmo intervalo temporal, do que as ações focadas apenas na diminuição do gás carbônico, o mais famoso entre os gases causadores de efeito-estufa.

E, enquanto o CO2 pode ficar na atmosfera por mais de três séculos, esses superpoluentes têm meia-vida bastante inferior.

Segundo o relatório, caso a humanidade consiga zerar emissoes liquidas de CO2 ate 2050 — considerada uma “descarbonizacao agressiva”– poderia evitar apenas cerca de 0,2°C de aquecimento adicional.

Para referência, desde o período pré-industrial (1850-1900), principal padrão de referência para os termômetros antes das mudanças climáticas, o mundo já esquentou cerca de 1,2°C. A principal e mais ambiciosa meta do Acordo de Paris quer frear esse índice em 1,5°C até o final do século.

“As emissões [de CO2] ainda estão aumentando. Talvez elas atinjam o pico neste ano ou no próximo, mas elas ainda não estão diminuindo. E mesmo quando elas caírem, há um atraso na percepção dos efeitos, porque 25% a 40% das emissões de CO2 permanecem na atmosfera por 500 anos ou mais”, disse à Folha de S.Paulo Durwood Zaelke, presidente do IGSD e especialista em clima e direito internacional.

“Se pensarmos nisso como uma série de corridas, o esforço contra os poluentes climáticos de vida curta é um sprint, porque, ao derrubar essas emissões, evita-se 90% do aquecimento no espaço de uma década, reduzindo de forma rápida a curva de calor. Já a descarbonização é uma maratona. É uma corrida mais comprida, só que, se nós não vencermos o sprint, talvez não tenhamos sequer a oportunidade de terminar a maratona”, compara.

Não se trata, portanto, de abandonar os esforços pela descarbonização. “Nosso argumento, baseado na melhor evidência científica, é que você tem que tratar de reduzir tanto o CO2 quanto os poluentes de vida curta”, afirma Zaelke.

Combinando a redução das emissões de CO2, causadas principalmente pela queima de combustíveis fósseis, com a dos poluentes climaticos de vida curta, seria possível garantir que os primeiros impactos positivos nos termômetros aconteçam no curto prazo.

Dados do IPPC (painel de cientistas climáticos da ONU) indicam que cerca de metade do atual aquecimento da Terra é causado pelos poluentes climáticos de vida curta.

Na avaliação dos especialistas do IGSD, as negociações para os cortes dessas substâncias não devem ser incorporadas às COPs (convenções do clima da ONU) e seus mecanismos associados. O ideal, consideram, é o modelo do Protocolo de Montreal –o tratado internacional que conseguiu reduzir drasticamente a utilização de substâncias que destroem a camada de ozônio.

Assinado em 1987, o acordo teve ampla adoção entre os países e é considerado um dos tratados ambientais de maior sucesso da história. Os signatários se comprometem a eliminar gradualmente o uso dos CFCs (clorofluorcarbonetos), responsáveis pelo declínio nos níveis de ozônio na atmosfera terrestre. Estima-se que o pacto tenha ajudado a evitar um aumento de cerca de 0,5°C nas temperaturas do planeta.

Nos últimos anos, a comunidade internacional já vem dando passos em relação a alguns dos superpoluentes, inclusive no âmbito do próprio Protocolo de Montreal, com a Emenda de Kigali, de 2016. O adendo amplia a restrição aos gases HFCs, um dos superpoluentes de vida curta, presentes principalmente em sistemas de refrigeração.

Outro superpoluente, o metano, tem sido destaque nas COPs mais recentes. Na conferência do clima da ONU de 2021, em Glasgow (Escócia), os países concordaram em reduzir 30% das emissões globais do gás até 2030, em relação aos níveis de 2020.

Na última COP, realizada no fim de 2023 em Dubai, grandes empresas do setor de petróleo e gás afirmaram que iriam reduzir os vazamentos de metano de seus gasodutos até 2030, contribuindo para diminuir as emissões.

Essa medida foi considerada insuficiente por ambientalistas e criticada até pelo secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, que pediu ações mais ambiciosas.

“Nós já vimos ao longo dos anos como as empresas de petróleo mentem”, diz Durwood Zaelke. “Precisamos avançar para mecanismos de redução compulsórios”, opina.

GIULIANA MIRANDA / Folhapress

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