Corte da Rússia faz julgamento secreto de repórter americano

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O primeiro jornalista americano preso enquanto trabalhava na Rússia desde a Guerra Fria irá a julgamento nesta quarta (26) em uma sessão classificada pela Justiça local como segredo de Estado.

Evan Gerchkovitch, 32, é acusado de espionagem e sua quase certa condenação, dado o clima político entre Moscou e o Ocidente, pode lhe render até 20 anos de cadeia. O julgamento pode durar dois meses ou mais. Uma vez sentenciado, é provável que seja usado como moeda em uma troca de prisioneiros, como o presidente Vladimir Putin já disse.

Enquanto isso, o repórter do The Wall Street Journal amarga 16 meses na infame prisão Lefortovo, em Moscou, que abrigava inimigos do Estado nos tempos soviéticos, onde passa a maior parte do tempo isolado.

Foi lá que o também jornalista americano de origem russa Nicholas Daniloff passou 14 dias em 1986, no último caso do tipo na Guerra Fria.

Assim como Daniloff, Gerchkovitch foi acusado de usar suas credenciais de correspondente para trabalhar para a CIA, o serviço de inteligência dos Estados Unidos. Ele e o WSJ negam o crime. O presidente americano, Joe Biden, considerou a detenção do repórter ilegal e abusiva.

Conhecidos do jornalista afirmaram à Folha de S.Paulo que ele pode ter sido vítima de uma armação, recebendo documentos sensíveis de um informante que se passou por confiável para incriminar o americano.

O que se sabe de fato é que Gerchkovitch estava em Iekaterimburgo, nos Urais, conversando com pessoas sobre a produção e capacidade de reparo de blindados e tanques russos na empresa Uralvagonzavod, sediada na cidade.

Nisso, acusação e defesa concordam. O repórter, que mora em Moscou desde 2017 e trabalhou antes em veículos como o independente The Moscow Times, afirma que meramente fazia seu trabalho, enquanto os russos dizem que ele teve acesso a documentos secretos e que os iria repassar para a CIA, o que o jornalista nega.

O FSB não se pronuncia sobre o caso, que é tratado como sigiloso. Seja como for, em 29 de março, agentes do FSB entraram no Bukowski Grill, um popular restaurante a poucos metros da igreja construída no local em que a família imperial russa foi executada pelos bolcheviques em 1918, e levaram Gerchkovitch encapuzado.

O conceito de vazamento jornalístico ao estilo ocidental não é corrente na Rússia, e foi criminalizado quando o assunto é a Guerra da Ucrânia, após a entrada em vigor de leis restritivas à liberdade de imprensa que já levaram vários repórteres locais à prisão.

Em 2022, por exemplo, o jornalista Ivan Safronov foi condenado a 22 anos de cadeia acusado de espionagem, embora alegasse apenas ter conversado sobre assuntos militares com interlocutores tchecos na condição de assessor da agência espacial russa.

Um dos poucos ocidentais a permanecerem trabalhando como jornalistas na Rússia, Gerchkovitch havia publicado na véspera de sua prisão uma reportagem sobre as dificuldades econômicas da Rússia.

A chancelaria russa insiste que ele foi pego em flagrante, embora não tenha sido divulgado nenhum detalhe da acusação. Segundo Maria Zakharova, a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, o jornalista “se escondia” atrás das credenciais para espionar.

Críticos na Rússia costumam apontar uma aparente contradição do governo americano, que buscava a extradição do ativista Julian Assange por acusações semelhantes —embora o fundador do WikiLeaks agora rumo à liberdade após um acordo judicial não estivesse apurando reportagens, e sim divulgando segredos vazados de forma indiscriminada.

Gerchkovitch irá a julgamento em Iekaterimburgo após mais de um ano detido apenas com o juiz, o promotor, o defensor público, seu advogado e um assistente. Não haverá acesso a jornalistas ou mesmo autorização de gravação de imagens.

“É um julgamento falso, são acusações falsas. Acusações falsas feitas por um regime autocrático que está em guerra contra o jornalismo e a informação confiável”, disse o publisher do WSJ, Almar Latour, à agência Reuters.

O caso transformou Gerchkovitch em um ativo para o governo russo. Putin afirmou que estava em conversas com Biden sobre uma troca de prisioneiros. “A bola está com os EUA”, disse o vice-chanceler Serguei Riabkov.

Tais processos não são incomuns. No fim de 2022, uma jogadora de basquete americana presa sob acusação de tráfico foi trocada por um “senhor das armas” russo, por exemplo. Especula-se que o Kremlin quer ver solto Vadim Krasikov, condenado na Alemanha por matar um ex-comandante rebelde tchetcheno.

IGOR GIELOW / Folhapress

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