Cota maior no serviço público anteciparia paridade racial para 2047, diz secretária de ministério

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A maioria dos brasileiros considera que o perfil dos servidores públicos não reflete a diversidade da população. Segundo pesquisa Datafolha de setembro de 2023, a percepção da disparidade é compartilhada por 56% dos entrevistados.

Uma proposta que atualiza a Lei de Cotas no Serviço Público, de 2014, está em tramitação na Câmara. O projeto, relatado pela deputada federal Carol Dartora (PT-PR), inclui indígenas e quilombolas no sistema, que hoje contempla apenas pessoas negras, e amplia a reserva de vagas em concursos de 20% para 30%.

A parlamentar foi uma das participantes do painel “Democracia e Diversidade”, no seminário “O Setor Público em Transformação”, promovido pela Folha de S.Paulo e pelo Movimento Pessoas à Frente, dedicado à melhoria da gestão de pessoas no funcionalismo.

O evento foi mediado por Flavia Lima, secretária-assistente de Redação e editora de Diversidade do jornal.

“Nos serviços públicos, as pessoas negras estão nos cargos mais baixos e com os menores salários. São inúmeros os impeditivos para que uma pessoa negra possa desenvolver sua carreira”, afirmou a deputada.

Conforme dados do Sistema Integrado de Administração de Pessoal (Siape), pessoas negras representam 39,3% dos servidores efetivos do governo federal. No mês de março deste ano, mais de 50% dos servidores brancos recebiam acima de R$ 12.862, enquanto, entre os servidores negros, o valor foi de R$ 9.916.

De acordo com Márcia Lima, secretária nacional do Ministério da Igualdade Racial, a ampliação do percentual das cotas é respaldada por estudos do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos para acelerar a redução das iniquidades.

“A projeção é de que, com 20%, alcançaríamos a paridade racial no serviço público em 2067; já com 30%, isso ocorreria em 2047. Esse aumento não é simbólico, ele traz uma transformação”, disse.

Carol Dartora expôs dados da perda salarial decorrente da desigualdade, calculados em um estudo de Alysson Portella, Michael França e Rodrigo Carvalho, do Instituto Insper. Segundo a pesquisa, em 2024, homens negros deixaram de receber R$ 61,67 bilhões, enquanto mulheres negras perderam cerca de R$ 41 bilhões.

A diferença, de aproximadamente R$ 103 bilhões, se refere ao que seria pago caso salários e taxas de emprego fossem equivalentes aos de trabalhadores brancos. Desse total, os autores estimam que R$ 14 bilhões sejam atribuíveis diretamente à discriminação em todo o mercado de trabalho.

Os prejuízos, no entanto, não são apenas financeiros. A falta de representatividade, argumenta a vice-presidente de Equidade Racial da Fundação Lemann, Alessandra Benedito, compromete todo o processo democrático ao não permitir a emergência de direitos fundamentais que passem por esses atores.

“Costumo dizer que ninguém vem de mala vazia, a diversidade de corpos representa também sabedoria construída ao longo do tempo, e isso vai estar disponível dentro da estrutura do poder público em um processo de modificação”, diz Benedito.

As especialistas defenderam a existência de bancas de heteroidentificação para evitar fraudes.

“Se não houvesse fraudes, talvez não precisasse de bancas de heteroidentificação. Mas acho que ainda é um passo necessário, apesar de tantos debates, de tantos desafios em torno delas”, diz Benedito, ressaltando a importância de um controle.

Márcia Lima concorda, acrescentando que “a autodeclaração do indivíduo é fundamental. Valoriza-se como a pessoa se vê”. Mas, para a secretária, “o que a comissão deve fazer é verificar se a autodeclaração é compatível com o que a política pública se dispõe a fazer”.

A socióloga Neca Setubal, presidente da Fundação Tide Setubal, afirma que o processo de inclusão deve suscitar reflexões em toda a sociedade, inclusive nas fundações, que precisam olhar para seus colaboradores e priorizar o aspecto racial.

Além disso, Setubal defende uma atenção à formação das lideranças já estabelecidas, para que as pessoas negras, ao serem incorporadas aos cargos, possam intervir plenamente nos processos decisivos e exercer protagonismo nesses espaços.

Já o discurso da meritocracia, que cria resistências a políticas afirmativas como o PL em tramitação, sustenta a socióloga, deve ser combatido com argumentos e debates. “Quanto mais conseguirmos mostrar as diferenças sociais e como o Brasil é um país de injustiças latentes, mais isso vai desmontando a questão do mérito”, diz.

JOÃO RABELO / Folhapress

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