Redação
Saques, roubos, furtos, atropelamentos propositais e até mesmo um ataque que deixou uma pessoa seminua e atordoada em uma rua. Essas são ações registradas em vídeo na região da cracolândia, no centro de São Paulo, nos últimos meses.
Em paralelo, guardas civis acabaram afastados sob suspeita de cobrar taxas para fornecer segurança a comerciantes. Integrantes do crime organizado também estariam exigindo pagamentos para afastar usuários de drogas da porta de estabelecimentos e de residências.
Esse cenário, na avaliação de especialistas, resulta num processo de “milicianização” da área. Para eles, é típico de milicianos criar perigo para, depois, oferecer segurança e lucrar com isso.
“Se estão, a partir da questão social da dependência química nessa área da cracolândia, começando a obter ganhos, isso é a base da milícia”, afirma o sociólogo José Cláudio Souza Alves. Professor da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), ele estuda grupos de extermínio e milícias.
“A cidade em si é o ganho da milícia. Todas as formas de receio, medo, necessidade de proteção, todas as formas de insegurança, instabilidade, essa é uma forma de se obter lucro.”
Alves ressalta que uma milícia não precisa reproduzir a forma dos grupos que agem no Rio de Janeiro. Cada região produz a sua própria lógica, com base em interesses econômicos e políticos.
O especialista também aponta diferenças entre a milícia e o crime organizado.
“São os servidores públicos que fazem parte da milícia e que estão diretamente no seu controle. Quando não aparecem de frente, visivelmente, eles estão por trás, em todo um trabalho de informação e de proteção”, afirma. “O traficante não tem a base de poder que a milícia tem.”
O gerente de projetos do instituto Sou da Paz, Bruno Langeani, diz acreditar que os achaques são um indício do início de uma tentativa de ‘milicianização’.
“Acreditamos que alguns episódios que são muito emblemáticos e ajudam a criar o pânico na região, como saques, arrastões e agressões, podem ser eventos fabricados para aumentar a sensação de insegurança e facilitar a venda de serviços.”
Na avaliação de Langeani, é necessário que instituições do Estado apurem as ações de segurança pública que ocorrem no local. “Já recebi relatos de gente que trabalha na região com usuários indicando a coincidência entre ações violentas da polícia na remoção deles como desencadeadores de corre-corre, tumulto e saque.”
“O que acontece na cracolândia é que a situação, literalmente, saiu do controle do Estado”, acrescentou Rafael Alcadipani, professor da FGV e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
“Existe, no meu ponto de vista, sem dúvida, o risco de uma ‘milicianização’ da região, na medida em que é um lugar bastante complexo de muito interesse para cidade de São Paulo e que, desafortunadamente, enfrenta um grande problema de segurança.”
Procurado, o Ministério Público disse ter investigações em andamento relacionadas a possíveis extorsões na região atribuídas ao PCC (Primeiro Comando da Capital) e a um agente da GCM (Guarda Civil Metropolitana).
A Polícia Civil declarou, em nota, que os relatos citados pela reportagem são alvo de investigação em inquérito.
De acordo com a SSP (Secretaria da Segurança Pública), é prematuro apontar quaisquer cenários em relação aos fatos, que estão em estágio inicial de apuração. A pasta disse ainda que todas as denúncias de irregularidades, envolvendo agentes públicos ou não, são rigorosamente apuradas pelas forças de segurança e respectivas corregedorias.
A secretaria afirmou também que as ocorrências de roubo e furto na região registraram queda em abril, após 15 meses de alta.
A gestão Ricardo Nunes (MDB) disse ter solicitado ao Ministério Público a prisão preventiva de um guarda civil flagrado em gravações cobrando taxa de proteção para comerciantes na cracolândia. A investigação está em sigilo.
PAULO EDUARDO DIAS