SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Crianças e adolescentes pretos de 11 a 14 anos têm duas vezes mais chances de serem parados e revistados por policiais em São Paulo do que brancos com a mesma idade, aponta levantamento do Núcleo de Estudos da Violência da USP (Universidade de São Paulo).
De acordo com o estudo, contatos intrusivos ou violentos com a polícia são marcados por um viés específico de raça e gênero, sendo pretos e meninos os mais propensos a passar por essas experiências.
“A gente entende que isso não é algo aleatório, mas uma experiência racializada. O que as polícias alegam é que as abordagens não têm esse viés racial, que não vão parar alguém simplesmente pela cor de pele”, afirma Aline Mizutani Gomes, mestre em psicologia escolar pela USP e uma das autoras da pesquisa.
“Mas os nossos dados mostram justamente que ser preto aumenta para o dobro as chances de ser parado, em comparação a uma pessoa branca”, acrescenta. Procurada, a Secretaria da Segurança Pública paulista diz que a abordagem obedece a padrões técnicos e legais e que investe em formação antirracista de policiais.
Ao todo, foram ouvidos cerca de 800 alunos de 120 escolas, distribuídas nas cinco macrorregiões de São Paulo (norte, sul, leste, oeste e centro), sendo 41,25% oriundas do ensino privado, 51,25% de escolas estaduais e 7,5% de municipais. A amostra foi formada por 50% de meninas e 50% de meninos, e as perguntas foram realizadas para o mesmo grupo de 2016 a 2019.
Em 3 dos 4 anos da pesquisa, ser parado pela polícia ou estar com alguém abordado esteve associado com os estudantes autodeclarados pretos. Em 2016, eles representavam 11,50% da amostra, mas eram 18,24% dos que tiveram esse tipo de contato.
Em 2017, enquanto os pretos de 12 anos eram 10,78% da amostra, foram 22,58% dos que afirmaram ter sido parados pela polícia. No mesmo ano, do total de adolescentes pretos, 17,50% foram parados pela polícia, ao passo que brancos foram 9,11%, e pardos, 4,4%.
Já em 2019, os adolescentes pretos de 14 anos eram 11,25% da amostra, mas 20% dos parados pela polícia.
Outro contato mensurado pelo questionário foi a revista corporal. Mais rara (79,47% dos que participaram dos quatro anos de pesquisa não foram revistados pela polícia), a experiência não deixa de ser influenciada pela filtragem racial. Enquanto a distribuição de brancos e pardos revistados se manteve próxima às suas distribuições amostrais, para os adolescentes pretos ocorreu de forma discrepante.
No ano de 2016, os pretos de 11 anos de idade eram 11,37% da amostra e 24,35% dos que tiveram esse contato. No mesmo ano, entre os adolescentes pretos da amostra, 20,87% foram revistados, ante 9% de brancos e 6,8% entre os pardos.
Já em 2017, aos 12 anos de idade, os pretos eram 10,78% da amostra, mas 23,33% dos que foram revistados. Em 2019, quando os participantes tinham 14 anos e os autodeclarados pretos somavam 11,25% da amostra, eles foram 22,97% dos revistados pela polícia.
“Quando você pensa que crianças de 11 anos já estão tendo esse contato com a polícia, já estão vendo a polícia prender e algemar alguém, e alguns já estão sendo até abordados, é um pouco chocante, né? Isso demonstra que tem alguma coisa aí para ser pensada”, diz a pesquisadora.
Essa é também uma experiência que atinge mais meninos do que meninas. Em 2017, por exemplo, 50,13% da amostra era formada crianças e adolescentes do sexo masculino. Eles foram 83,33% dos revistados. Em 2018 e 2019 a participação dos meninos na amostra se manteve próxima a 50%, mas eles foram, 78% e 82,43% dos revistados, respectivamente.
Quanto à agressão, 98,57% dos adolescentes afirmaram que nunca foram agredidos por um policial. No entanto, dos 8 que responderam ter apanhado da polícia em 2019, 4 eram pardos e 3 eram pretos.
Outro contato levantado pelo estudo é ser levado para a delegacia. Em 2016, 4,37% dos participantes passaram por essa situação. Naquele ano, notou-se associação entre o tipo de contato com a polícia e marcadores raciais: os adolescentes pretos foram 25,71% dos que afirmaram ter sido levados para a delegacia, frente a 11,37% de participação na amostra.
De acordo com a pesquisadora, a observação dos dados a partir das variáveis de controle, como raça e gênero, possibilitou aos pesquisadores identificar diferenças de tratamento entre os grupos.
Nesse sentido, o relatório aponta que adolescentes autodeclarados pardos apresentaram experiências com a polícia mais similares às dos brancos do que às dos pretos. Por esse motivo, a pesquisa evitou o uso do termo negros enquanto categoria formada pela soma de pretos e pardos, como ocorre em alguns estudos.
POLÍCIA DE SP DIZ QUE INVESTE EM FORMAÇÃO ANTIRRACISTA
O estudo manteve como referência o termo “polícia”, sem distinção entre as Polícias Civil e Militar. No entanto, os contatos fazem referência principalmente às atividades de policiamento ostensivo, encargo da PM.
Procurada pela reportagem, a SSP (Secretaria da Segurança Pública de São Paulo) não respondeu às perguntas específicas relacionadas à pesquisa e afirmou que a abordagem policial obedece aos parâmetros técnicos disciplinados por lei e padronizados por meio dos “Procedimentos Operacionais Padrão”. O texto diz que “a Polícia Militar tem buscado evoluir e aprimorar sua atuação de maneira contínua”, tendo criado a Divisão de Cidadania e Dignidade Humana e revisado protocolos de abordagens.
Ainda de acordo com nota, todos os agentes estudam ações antirracistas nas disciplinas Africanidades e Direitos Humanos – Ações Afirmativas e foram implementadas ações para promover a segurança e a integridade da população e dos policiais, como o uso de equipamentos de menor potencial ofensivo e de câmeras corporais que registram a ação.
Por fim, a instituição disse buscar estabelecer diretrizes e parâmetros objetivos, racionais e legais, “sem qualquer tipo de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, origem, onde o policial civil, no desempenho da sua atividade, possa atuar em conformidade e respeito a princípios basilares do Estado Democrático de Direito, sobretudo o da dignidade da pessoa humana”.
PAOLA FERREIRA ROSA / Folhapress