SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Crianças brasileiras enfrentam atualmente em média cinco vezes mais dias extremamente quentes em comparação às crianças de 50 anos atrás, revela relatório divulgado nesta segunda (23) pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) no Brasil.
No país, a média de dias com temperatura acima de 35°C passou de 4,9 nos anos de 1970 para 26,6 entre 2020 e 2024. Segundo o levantamento, 33 milhões de crianças estão sendo mais afetadas por essas mudanças climáticas. O país tem 48,7 milhões de crianças e adolescentes até 18 anos, segundo o Censo de 2022.
A análise também chama a atenção para o aumento das ondas de calor, que são períodos de três dias ou mais em que a temperatura máxima está mais de 10% maior do que a média local.
Nesse caso, 31,5 milhões das crianças do país enfrentam duas vezes mais ondas de calor do que seus pais ou avós enfrentaram na década de 1970.
Com o relatório divulgado a duas semanas das eleições municipais, o Unicef faz um alerta para que os candidatos e candidatas às prefeituras se comprometam a preparar as cidades para enfrentar e lidar com as mudanças climáticas, com foco especial nas necessidades e vulnerabilidades de crianças e adolescentes.
O calor extremo causa consequências graves à saúde. Ao ser exposto a altas temperaturas, o corpo humano pode entrar em estresse térmico, tendo dificuldades para funcionar de forma adequada. São comuns sintomas como dores de cabeça, mal-estar e perda da agilidade nas ações.
O estresse térmico é uma das principais causas de mortalidade relacionadas ao calor e está associado também a complicações na gravidez, incluindo doenças crônicas gestacionais, partos prematuros, bebês com baixo peso ao nascer ou mesmo crianças natimortas.
“Nas crianças pequenas, o impacto é ainda maior. A capacidade do corpo de responder e regular a própria temperatura é muito mais baixa em comparação aos adultos”, explica Danilo Moura, especialista em mudanças climáticas do Unicef no Brasil.
Segundo o pediatra Victor Horácio de Sousa Costa Júnior, do Hospital Pequeno Príncipe, o aumento da temperatura vem acompanhado, em geral, pela queda da umidade relativa do ar e alta da concentração de poluentes na atmosfera, o que favorece o aparecimento de doenças como rinite, conjuntivite e asma.
“Como as crianças estão em fase de formação do sistema imunológico e com uma capacidade ruim de se adaptar ao meio, acabam sendo as mais afetadas por essas doenças.”
Mudanças climáticas também podem influenciar na propagação de vetores, favorecendo doenças infecciosas que se espalham em altas temperaturas, como malária, dengue e leishmaniose.
De acordo com Danilo Moura, do Unicef, as temperaturas elevadas causam uma série de outras consequências sociais, por exemplo, podem interferir na capacidade de aprendizado das crianças e adolescentes.
“Há estudos que mostram que a capacidade de retenção de conhecimento de um adolescente quando a temperatura está acima de 30°C é muito mais baixa. O calor é desconfortável, causa um risco cumulativo e silencioso.”
As mudanças climáticas provocam uma série de outras sobrecargas nos serviços públicos. “Há uma pressão enorme sobre os sistemas elétrico e de distribuição de água. O risco desses sistemas começarem a falhar e interromper serviços essenciais é muito grande.”
De acordo com o especialista do Unicef, um outro efeito dos dias de calor extremo é o agravamento das desigualdades socioeconômicas já existentes. “Os mais vulneráveis, que já moram em condições adversas, em casas superlotadas, sem acesso à água e a saneamento básico, sofrem muito mais.”
Para ele, muitas ações para mitigar os efeitos das altas temperaturas dependem dos gestores municipais e que deveriam estar na agenda dos candidatos às prefeituras.
As mais imediatas envolvem, por exemplo, um reforço da comunicação para que as pessoas reconheçam os sinais de que o corpo possa estar sofrendo de estresse térmico e uma rede de saúde preparada para atendê-las com infraestrutura adequada e profissionais capacitados.
Também são sugeridas mudanças de protocolos nas creches e escolas para que as crianças possam beber água com mais frequência.
Mas, para ele, é essencial que os futuros prefeitos priorizem a criação de novas áreas verdes nas cidades e adaptem os prédios públicos para essa nova realidade.
“Qual a discussão que está se fazendo sobre ter áreas verdes dentro das escolas? Escolas de puro concreto, super quentes, é o padrão da arquitetura escolar hoje no Brasil. O que você está fazendo para pensar formas de deixar o ar circular dentro da escola?”, questiona.
De acordo com Moura, a crise climática afetará as crianças e os adolescentes de todas as formas. “Vai afetar a educação, a saúde, a proteção social, a capacidade de desenvolvimento. E vai afetar as crianças mais vulneráveis, as de famílias mais pobres, as negras e as indígenas de forma desproporcional.”
Na sua opinião, o debate público está muito longe de ser capaz de responder ao desafio que está posto, com eventos extremos mais frequentes. “Vamos ter dias mais quentes, ondas de calor mais intensas, que duram mais tempo. Da mesma forma, teremos períodos de seca mais longos, chuvas mais fortes, mais enchentes.”
Para ele, qualquer discussão sobre orçamento e sobre a implementação de políticas públicas precisará levar esse cenário em consideração. “Que estratégias de adaptação das cidades esses prefeitos e prefeitas vão adotar?”
CLÁUDIA COLLUCCI / Folhapress