Crise do clima pressiona políticos, mas obter voto com ação preventiva ainda é desafio

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Com 155 mortos, 94 desaparecidos, milhares de desabrigados e milhões de afetados por bloqueios e desabastecimento de itens básicos, a tragédia no Rio Grande do Sul pressiona os políticos a tomar ações imediatas para reagir aos problemas causados pela emergência climática e a se explicar sobre a falta de ações preventivas.

A adoção de medidas efetivas em relação ao tema, no entanto, esbarra na dificuldade de transformar essas ações em voto, nas características do sistema político no Brasil e no cenário eleitoral.

Com efeitos que muitas vezes só serão sentidos a longo prazo, a pauta ambiental em alguns momentos pode entrar em descompasso com o tempo da democracia, marcado por eleições periódicas, diz a cientista política Kathryn Hochstetler, da London School of Economics and Political Science (LSE).

Essa dificuldade, verificada também em temas como educação, por exemplo, é mitigada em países nos quais a competição eleitoral é menos acirrada ou em que o governo é formado a partir de eleição proporcional, segundo pesquisas do também cientista político Jared Finnegan, da UCL (University College London).

Por terem menos risco de sair do poder, políticos em países com esse cenário tendem a ter mais facilidade de impor taxas sobre emissão de carbono e a investir em políticas de mitigação da crise climática.

Não é o caso do Brasil, em que presidente, governadores e prefeitos são eleitos por sistema majoritário e em que a polarização tem produzido eleições acirradas.

Autora de diversos estudos sobre o tema na América Latina, Hochstetler acrescenta que o campo político do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), no Brasil, associou normas ambientais em geral à esquerda.

Dessa maneira, o peso de medidas impopulares nessa área, como, por exemplo, aumento do preço do combustível, tenderia a recair mais sobre esse espectro ideológico.

Não que o governo do presidente Lula (PT) esteja caminhando nessa direção. Em seu terceiro mandato, a busca tem sido ampliar investimentos em combustíveis fósseis, principais fontes de gases de efeito estufa no mundo.

Por outro lado, após discurso negacionista e retrocessos no meio ambiente sob Bolsonaro, a gestão petista registrou queda no desmatamento na amazônia, tem um Plano de Transformação Ecológica e alçou a pauta ambiental a um dos principais temas de política externa.

Colocá-las em prática pode ser um desafio, e a forma como elas são apresentadas é apontada como chave. Segundo a professora da LSE, uma saída para implantar medidas de longo prazo em prol do ambiente é exaltar seu efeito mais imediato.

O fechamento de uma mina de carvão, por exemplo, ajuda a não piorar o aquecimento global no futuro, mas pode-se enfatizar também seu benefício mais palpável de melhorar a qualidade do ar de uma localidade.

Da mesma forma, a abertura de um parque pode ajudar a conter inundações no longo prazo e seria bem aceita no curto prazo por estar vinculada ao lazer nas cidades.

Cientista político e diretor-adjunto do IDS (Instituto Democracia e Sustentabilidade), Marcos Woortmann avalia que ações locais vinculadas ao meio ambiente costumam ser bem-vistas pelo eleitorado.

Já pautas ambientais mais amplas podem sofrer com a ideologização no debate político, diz.

“A ideologização do discurso antiambiental contra a ciência, a democracia e os povos tradicionais trouxe um prejuízo gigantesco em relação à pauta ambiental. Contudo, alguns elementos dessa pauta permanecem sendo atrativos mesmo para parlamentares não alinhados com questões maiores”, afirma.

Woortmann diz que, para não perder votos com a pauta, os partidos precisam comunicar melhor o que está acontecendo e o que precisa ser feito sobre as mudanças climáticas e seu impacto.

Também para Filipe Savelli, pesquisador vinculado ao Laboratório de História das Interações Político-Institucionais da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo), comunicação é um fator chave.

Pesquisa Datafolha de dezembro mostrou que 78% dos brasileiros afirmam que as atividades humanas contribuem para o aquecimento do planeta.

Para Savelli, porém, o tema não é visto como prioridade para a maior parte do eleitorado.

Em sua visão, as eleições municipais de 2024 vão servir como termômetro para entender como o problema pode ser absorvido pelo discurso político.

O maior desafio dos partidos, diz, é mostrar à população que o ambientalismo não é inimigo do crescimento econômico.

Comunicação é a chave para lidar com o tema também na visão do ex-deputado e ex-candidato à Presidência Eduardo Jorge (PV).

Há duas décadas no partido, ele avalia que o tema ainda não é decisivo para o eleitor na hora do voto, especialmente perto de outros, como emprego e renda.

“Há uma consciência do problema, mas ela conflita com outras consciências”, diz. “Tem uma ambivalência entre o pão que precisa estar na mesa e algo [como uma catástrofe ambiental] que vai acontecer talvez amanhã, ou daqui dois meses, ou daqui a anos.”

Em sua visão, esse cenário reforça a importância do papel das lideranças políticas de explicar o quadro à população, o que para ele não tem ocorrido.

No nível local, ainda mais decisivo neste ano de eleição nos municípios, ele ressalta que integrantes de partidos de todos os espectros ideológicos, da esquerda à direita, têm incentivado a ocupação de áreas de risco e de mananciais de olho em dividendos eleitorais.

Apesar disso, diz ver com certo otimismo a melhor percepção da população em relação à questão climática, especialmente entre os mais jovens.

“Meus netos de cinco, seis anos já sabem mais sobre aquecimento global do que muito adulto”, diz. “Pena que eles não votam ainda.”

ANGELA PINHO E ANA GABRIELA OLIVEIRA LIMA / Folhapress

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