SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma crise assola a ANM (Agência Nacional de Mineração) com uma dimensão que, segundo diferentes atores envolvidos, tem tornado impossível ao órgão cumprir o papel de regular e fiscalizar o setor mineral do país. A situação aumenta os riscos ambientais já normalmente inerentes à atividade.
Nesta semana, os servidores da ANM realizam a quinta paralisação desde o fim de maio, e a mais longa de todas, iniciada na segunda (10) e que vai até esta sexta (14). Ao todo, serão 12 dias de interrupção. Durante cada uma delas, os funcionários paralisam totalmente a maioria dos trabalhos, exceto as chamadas “atividades críticas”, como a fiscalização de barragens em situação de emergência.
Criada em 2017, no governo Michel Temer, para substituir o DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral), a ANP é a mais jovem entre as 11 agências reguladoras brasileiras e tem, conforme a lei que a criou, a finalidade de “promover a gestão dos recursos minerais da União, bem como a regulação e a fiscalização das atividades para o aproveitamento dos recursos minerais” do país.
O Sinagências (Sindicato Nacional dos Servidores das Agências Nacionais de Regulação) e a Asanm (Associação de Servidores da ANM) afirmam que só cerca de 30% das vagas previstas em lei para a ANM estão ocupadas, e é imprescindível a abertura de concurso público para preenchimento das cerca de 1.400 vagas não ocupadas.
Os servidores também se queixam da defasagem salarial em relação aos servidores das dez outras agências reguladoras nacionais (apontam que salários são em média 46% mais baixos).
Numa carta aberta à população, afirmam que a situação da ANM é “insustentável” e “caótica”. Ao lembrar das tragédias de Mariana e Brumadinho, o manifesto aponta a expansão do garimpo ilegal como um dos riscos de uma ANM sucateada, “causando prejuízos aos povos originários e ao meio ambiente; perda de bilhões de reais em impostos e taxas de exploração mineral oriundos da incapacidade da ANM em fiscalizá-los; a ineficiência do estado na fiscalização de atividades de mineração de ouro, levando à lavagem de dinheiro e à evasão de divisas, entre outras consequências”.
No ano passado, o Tribunal de Contas da União incluiu a situação da ANM na “Lista de Alto Risco” da Administração Pública Federal, apontando a insuficiência de recursos humanos e o déficit orçamentário e financeiro da agência, com impactos no planejamento, regulação e fiscalização do setor.
Enquanto é a segunda agência reguladora que mais arrecada (R$ 10,3 bilhões em 2021, R$ 7,2 bilhões em 2022 só com royalties), atrás somente da ANP (petróleo), a ANM é a antepenúltima em orçamento (R$ 79,2 milhões em 2022, R$ 94,2 milhões em 2023), à frente apenas da Antaq (transprtes aquaviários) e da Ancine (cinema), conforme dados apresentados pelo seu diretor-presidente, Mauro Henrique Moreira Sousa, em audiência em abril na Câmara dos Deputados.
O geólogo Ricardo Peçanha, servidor da ANM e diretor da Asanm, lembra que, desde a criação da agência, as atribuições do órgão só aumentaram como a responsabilidade, recém-adquirida por lei, de administrar minerais nucleares, enquanto a estrutura definhou. Segundo Peçanha, o estado da Bahia, que acumula milhares de solicitações de pesquisa mineral, possui apenas duas geólogas da ANM para analisar os pedidos.
O Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração), que representa o setor, apoia a demanda dos servidores. “Se tivermos uma ANM forte, teremos uma mineração forte e sustentável”, afirma Raul Jungmann, diretor-presidente da entidade.
Ecoando uma queixa dos sindicalistas, Jungmann lembra que, por lei, o governo deveria aplicar anualmente na ANM 7% da arrecadação com a Cfem (contribuição financeira pela exploração mineral, o royalty da mineração), mas tem aplicado somente em torno de 1%.
O restante, reclama o dirigente do Ibram, tem sido usado pelo governo para fazer superávit primário. “A Fazenda suga todos esses fundos para a conta do superávit. Só que você ao fazer isso, você debilita o órgão regulador, e evidentemente isso tem impacto sobre o setor.”
Presidente da Frente Parlamentar da Mineração Sustentável no Congresso, o deputado federal Zé Silva (SDD-MG) engrossa o coro. “É um consenso do setor privado, dos empreendedores, da sociedade civil, do Parlamento que a ANM tem que ser estruturada para cumprir seu papel de Estado. Para isso, faltam decisão política e dinheiro para contratar pessoal e investir em modernização e tecnologia.
Em nota, o MGI (Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos) afirmou que autorizou a nomeação dos 40 candidatos aprovados no último concurso para a agência, com edital publicado em novembro de 2021. Em 16 de junho, disse o MGI, a ministra Esther Dweck anunciou que serão preenchidas na ANM 24 vagas que faltavam para zerar o concurso que estava em andamento.
O ministério afirma que a lei 8.112, de 1990, proíbe a abertura de novo concurso enquanto houver candidato aprovado em concurso anterior com prazo de validade não expirado, mas acrescentou que está prevista a autorização de um novo concurso público para 2023, sem data definida.
O MGI disse que “está acompanhando de perto a situação da ANM e de outros órgãos e entidades da Administração Pública Federal que demandam a recomposição dos quadros de pessoal”.
Na semana passada, uma reunião com secretários dos ministérios de Minas e Energia e da Gestão, representantes da ANM e sindicalistas tentou costurar uma proposta que impedisse a paralisação desta semana em vão. As negociações continuam.
Procurado, o Ministério da Fazenda não deu resposta até a conclusão desta edição.
FABIO VICTOR / Folhapress