SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, anunciou neste domingo (3) que propôs ao Parlamento do país a demissão do ministro da Defesa, Oleksii Reznikov, uma das mais reconhecíveis faces da resistência do país à invasão russa iniciada em fevereiro de 2022.
Para seu lugar foi indicado Rustem Umerov, um ex-deputado com origem política na Crimeia anexada pela Rússia em 2014 hoje chefe do fundo de privatizações da Ucrânia. Ele participou das fracassadas negociações de paz entre Moscou e Kiev logo após o início da guerra.
Não que ele seja necessariamente um pacifista, já que a imprensa estatal russa o acusava de ser um agente dos EUA postado nas rodadas de conversa em Belarus, em março do ano passado, para espionar e tentar cooptar membros da delegação russa.
Mas a entrada de um ex-negociador no jogo poderá ser lida como uma sinalização a Moscou. Além dos eventos em tempos de guerra, ele havia fundado um grupo de negociação para normalizar relações entre a Ucrânia e a Rússia chamado Plataforma da Crimeia ele é da etnia tártara, uma das mais oprimidas historicamente na península.
Reznikov cai em um momento bastante delicado. Sua saída vinha sendo especulada há semanas, após um grande escândalo de corrupção envolvendo o alistamento militar ucraniano. Todos os chefes regionais responsáveis pelo setor foram demitidos por vender isenção do serviço, e ele já havia enfrentado uma crise com denúncias de desvios de dinheiro no Exército em 2022.
Mas seu maior problema é a contraofensiva ucraniana, iniciada em 4 de junho e que até aqui não trouxe um resultado palpável além de conquistas pontuais para Kiev além de uma ofensiva própria dos russos que tem avançado no nordeste do país.
As dificuldades ucranianas, apesar do triunfalismo esposado pela mídia europeia e americana de que um trecho da primeira de três linhas defensivas num setor de Zaporíjia (sul) enfim foi ultrapassado por Kiev na semana passada, têm atraído críticas e ceticismo no Ocidente.
Neste mesmo domingo, a chancelaria ucraniana divulgou que foi atingida a marca de US$ 100 bilhões (R$ 500 bilhões) só em ajuda militar de países da Otan [aliança militar ocidental] e outros aliados dos Estados Unidos a Kiev desde o começo da guerra. Isso equivale a quase 23 vezes o orçamento anual de defesa da Ucrânia em 2021, antes da invasão.
Nem todos os ocidentais parecem dispostos a pagar a conta sem retorno condizente. O chanceler Dmitro Kuleba perdeu a paciência nesta semana, dizendo que os críticos deveriam “calar a boca”. Autoridades como o então secretário de Defesa do Reino Unido Ben Wallace sugeriu que o Ocidente não era “a Amazon” das armas, e o chefe de gabinete do secretário-geral da Otan falou recentemente que Kiev tinha de ceder territórios aos russos.
“Reznikov passou por mais de 550 dias de uma guerra em grande escala. Acredito que o ministério necessita de novas abordagens e outros formatos de interação, tanto com os militares como com a sociedade como um todo. A Verkhovna Rada [Parlamento] da Ucrânia conhece bem o sr. Umerov, ele não necessita de apresentações adicionais. Espero que apoie esta candidatura”, afirmou Zelenski em seu pronunciamento noturno.
A despeito das razões reais, a mudança implicará quase com certeza uma mudança tática ou estratégica na condução da guerra. Zelenski tem suportado as pressões e já disse que será candidato à reeleição em 2024 caso o conflito tenha acabado ou se a lei marcial que hoje impede pleitos for modificada para permiti-los em tempos como o atual.
O presidente tem se esforçado para cumprir as exigências ocidentais em relação aos padrões de probidade de seu país, notoriamente baixos. Em um exemplo graúdo, seu padrinho político, o bilionário Ihor Kolomoiski, foi preso neste sábado (2) sob acusação de corrupção.
Só que a realidade é que o relógio corre com outra eleição no horizonte, a de novembro de 2024 nos EUA. O presidente Joe Biden vai buscar ficar no cargo e precisa ter o que dizer aos eleitores acerca do rumo que dará à ajuda bilionária a Kiev na campanha já na virada do ano. Seu provável oponente republicano, o antecessor Donald Trump, já sinalizou que quer deixar Zelenski sozinho.
IGOR GIELOW / Folhapress