SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Desde a nova crise da Enel São Paulo, críticas foram disseminadas contra a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) em redes sociais. Boa parte delas reclama da “Aneel bolsonarista” para acusar seus diretores de terem má vontade com as políticas públicas do MME (Ministério de Minas e Energia).
O caso também serve para sustentar o discurso do governo de que é preciso rever a seleção de dirigentes de todas as agências reguladoras. A percepção no setor de energia, no entanto, é que o governo adotou essa tônica na tentativa de desgastar o órgão e elevar sua ingerência.
Pouco depois de assumir, a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) levantou a possibilidade de destituir dirigentes de algumas agências, sob o argumento de que haviam passado de diretor ao comando da agência por meio de uma espécie de recondução ilegal. Um deles foi Sandoval Feitosa, diretor-geral da Aneel. A tese, no entanto, não emplacou no TCU (Tribunal de Contas da União). Sandoval segue, mas é questionado constantemente pelo governo.
Desde maio, com o fim do mandado do diretor Helvio Guerra, o governo já deveria ter formalizado a indicação de um novo diretor, mas se instalou uma queda de braço.
O ministro Alexandre Silveira quer emplacar o secretário de Energia Elétrica, Gentil Nogueira, mas encontra resistência. No Senado, antigos aliados se sentem preteridos pelo ministro, e estão inclinados a não apoiar suas indicações. Entre eles está o presidente da Casa, o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Dentro da divisão acertada entre Executivo e Legislativo, o que se conta no Senado é que essa vaga é da Casa, e que a definição do nome só sai depois da eleição do novo presidente, em fevereiro de 2025. Davi Alcolumbre (União Brasil/AP) já começou a receber apoio para assumir o comando do Senado. Uma ala diz que a vaga na Aneel tende a entrar na composição de apoios, com as demais agências, e pode ficar na cota do senador Eduardo Braga (MDB-AM). Outro grupo fala que a indicação pode vir da Bahia.
O governo ficaria com a cadeira que ainda vai vagar em maio, com a saída de outro diretor, Ricardo Tili. Como Silveira já indicou aliados em outras instituições do setor, agora, dentro do governo há quem defenda que para a Aneel vá alguém mais próximo ao PT. Já se colocou na mesa o nome de Leandro Caixeta Moreira, apontado como técnico de primeira linha e filho de Nelson Hubner, que atua na área de energia nos governos petistas e também comandou a agência.
De fato, os atuais diretores da Aneel foram indicados durante a gestão passada, mas a reportagem apurou que as escolhas não confirmam a narrativa de que são agentes da direita que atuam contra a gestão Lula. As escolhas têm como pano de fundo muito mais as relações de trabalho entre os servidores de carreira e, acima de tudo, a complexa articulação de interesses políticos entre Executivo e Senado. A arquitetura desses cargos lá atrás serve para ilustrar o que está em jogo agora.
A indicação da diretora Agnes Costa, por exemplo, foi defendida pelo então ministro de Minas e Energia, Almirante Bento Albuquerque, mas afirmar que se trata de escolha bolsonarista é desconhecer sua carreira. Agnes trabalhou por quase 18 anos no MME, onde ingressou quando Dilma Rousseff ainda era a titular da pasta e ascendeu durante as gestões do PT, respeitada como técnica.
A ida para diretoria da Aneel foi defendida internamente no MME pela então secretária-executiva da pasta, Marisete Dadald Pereira, que tem mais de 30 anos de experiência no setor elétrico e trabalhou com Agnes. Depois de atuar na capitalização da Eletrobras pelo lado do governo, Marisete foi para o conselho da empresa privatizada e hoje preside a Abrage (Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica).
Procurada pela reportagem, Marisete confirmou a indicação. “Sempre defendemos nomes técnicos comprometidos com a implementação das políticas públicas ou seja, nomes que representassem a garantia da estabilidade jurídica e regulatória”, afirmou.
O diretor-geral Sandoval Feitosa, por sua vez, é um técnico com 19 anos de Aneel. Foi indicado a diretor em 2018 por influência do MDB. O padrinho foi o ex-ministro de Minas e Energia Edson Lobão, com apoio do ex-presidente José Sarney.
Sua escolha para diretor-geral, em 2022, ocorreu num contexto particular. O nome de outro diretor da agência, Efrain da Cruz, havia sido costurado no Senado, com apoio de Marcos Rogério (PL-RO) que é próximo a ele. Efrain chegou à agência em 2018, com apoio do então senador pelo MDB Valdir Raupp.
Em outra linha de frente, Feitosa recebeu apoio do senador Ciro Nogueira (PP-Piauí), na época, ministro da Casa Civil, e do ministro Kassio Nunes Marques, do STF (Supremo Tribunal Federal). Ambos levaram em consideração, além da trajetória de Feitosa na Aneel, os laços de origem. Todos são do Piauí.
Feitosa não é identificado por algum matiz político, e uma demonstração dessa peculiaridade é que escolheu como seu principal assessor de gabinete Caixeta Moreira, filho de Hubner.
O acordo costurado por Ciro destravou indicações de interesse do Senado, e por abrir mão de Efrain, o grupo de Marcos Rogério pode, então, recomendar não um, mas dois candidatos. Entraram em cena os advogados Fernando Mosna e Ricardo Tili.
Mosna é procurador Federal da AGU (Advocacia-Geral da União) desde 2012. Fez parte da Procuradoria Federal em Rondônia e atuou no licenciamento ambiental das usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio. Desde 2019 estava cedido como assessor de Marcos Rogério em seu gabinete.
Tili atuou na distribuidora Ceron, a Central Elétrica de Rondônia, desde 2007, onde foi contemporâneo de Efraim da Cruz. Ficou na empresa até 2019, após a venda para a Energisa, em 2018.
O senador Marcos Rogério está no PL, legenda do ex-presidente Jair Bolsonaro, mas já foi PDT e DEM. No nem sempre previsível jogo da política, seu candidato derrotado para chefiar a Aneel, Efrain da Cruz, deixou a diretoria da agência em 2022 e acabou como secretário-executivo do MME no Lula 3 até janeiro deste ano.
Quem acompanha o setor sabe que a rotina na cúpula da Aneel tem sido tumultuada. Internamente, a atuação de Mosna e Tili é marcada pela convergência e vinha tendo apoio do diretor Helvio Guerra. Nas discussões mais polêmicas, faziam oposição a Agnes e Feitosa. Com a cadeira de Guerra vaga, as divergências na diretoria passaram a paralisar decisões sensíveis, porque as votações empatam dando munição para o governo fazer mais críticas à agência.
Todo esse ritual político em torno da escolha dos diretores deriva do fato de que são muitas as decisões sensíveis na esfera da Aneel: fixação da regulação para empresas do setor de energia elétrica, de todas as fontes (hidro, solar, eólica, gás), reajustes da conta de luz, leilões para expansão do sistema, fiscalização de cerca de uma centena da agentes de distribuição.
A análise mais abrangente no momento trata da renovação dos contratos de prestação de serviço de 19 distribuidoras de energia, entre elas a da Enel São Paulo. Os gestores de fundos com ações de companhias que detêm essas concessões se declaram angustiados. A pressão sobre a Aneel é percebida como aumento no risco de interferência política que pode desandar para insegurança regulatória. Contam que os investidores já estão mais refratários a aportar recursos no setor.
A reportagem fez contato com Aneel, MME, os senadores Rodrigo Pacheco, Ciro Nogueira e Marcos Rogério, bem como com Efrain da Cruz e Almirante Bento, que não responderam até a publicação deste texto.
ALEXA SALOMÃO / Folhapress