BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Nunca antes tantos cubanos que fogem da crise crônica na ilha emigraram para o Brasil. Ao longo deste ano e até novembro, mais de 19,7 mil chegaram ao país, a maioria pedindo refúgio. É mais que o triplo do que o observado há dez anos.
O país sob o guarda-chuva do regime comunista desde 1959 viu a crise econômica se agravar nos últimos anos. Agora, vê-se à beira do que especialistas descrevem como uma nova onda de protestos em meio a apagões elétricos constantes que deixam a população sem luz por dias.
As desgastadas usinas termelétricas de Cuba já não dão conta de abastecer a ilha, e uma crise no fornecimento de combustível, em parte pela diminuição do fluxo do petróleo que vinha da aliada ditadura da Venezuela, pioraram a situação. O regime culpa o embargo americano.
Seja como for, a desesperança entre os locais agravou o movimento da diáspora cubana, em especial nos últimos três anos. E o Brasil, com sua política migratória receptiva e uma comunidade cubana já arraigada, oriunda da época do Mais Médicos, tornou-se destino cativo.
De janeiro a novembro deste ano, 19,1 mil cubanos pediram refúgio no Brasil. Ao fazê-lo, receberam um protocolo temporário até que seus casos sejam analisados (o que pode levar anos). Enquanto isso, com esse documento em mãos, podem trabalhar e acessar a rede pública de saúde. Outros 678 entraram por outras vias migratórias.
A cifra que ainda não computa dezembro já supera com distância os números mais recentes. Em 2023, a migração cubana totalizou 13,1 mil. Em 2022, quando fluxos migratórios voltaram a crescer pós-pandemia, foram 7,6 mil. Também supera o fluxo da época do programa Mais Médicos, como em 2013, quando emigraram 5.200 cubanos.
O último mês de novembro registrou número recorde de pedidos de refúgio dessa nacionalidade: 2.700. Com isso, os cubanos superaram os venezuelanos, usualmente os que mais pedem refúgio no Brasil (2.200).
Suas rotas são específicas. Mais de 50% desses imigrantes chegam ao Brasil pelos estados do Amapá e de Roraima. Vêm do Suriname e da Guiana, países fronteiriços com essas unidades da federação.
É um calvário: juntam dinheiro na ilha, compram passagens por pequenas companhias aéreas que fazem riqueza com a diáspora até a capital surinamense, Paramaribo, ou a guianense, Georgetown. No caso dos que entram pelo Suriname, passam ainda por outro desafio: cruzar toda a Guiana Francesa, por terra e barco, e chegar ao Oiapoque.
O Brasil é visto como acolhedor e como uma boa maneira de encontrar trabalho, especialmente no setor informal. Mas nem todos os cubanos têm no país o seu destino final.
Em especial nos últimos anos, o país tem se tornado apenas ponte para ida a outros lugares. Alguns deles na América do Sul, como Uruguai e Chile, sociedades mais estáveis e seguras e nas quais se fala o espanhol. Outros, bem distantes, como os Estados Unidos.
Não é incomum encontrar cubanos que fazem o caminho por terra até a fronteira sul dos EUA após deixar o Brasil, maneira que encontram de entrar nas Américas e onde permanecem por alguns meses para juntar o dinheiro necessário para a travessia que nem sempre é suficiente.
Na chamada selva de Darién, por exemplo, o território inóspito entre Colômbia e Panamá que imigrantes cruzam para avançar no caminho para os EUA, o fluxo de cubanos já foi maior (em 2021, foram 17 mil), mas ainda não é desprezível: 735 cruzaram a selva neste 2024, que foi marcado por uma redução nos fluxos.
O Panamá começou a deportar imigrantes, mas ainda não o faz com cubanos e venezuelanos, já que não tem acordos para isso com os respectivos países, explica à reportagem o governo local. Assim, as duas nacionalidades podem seguir caminho no país rumo à Costa Rica.
De 2022 a agosto passado, ao menos 850 mil cubanos chegaram aos EUA. A pequena ilha que dizia ter 11 milhões de habitantes passa por uma acelerada mudança demográfica.
O principal demógrafo independente da ilha, Juan Carlos Albizu-Campos, diz que o país deve ter hoje 8,6 milhões de pessoas e que houve redução de 18% da população, se levado em conta que a maioria dos migrantes está em idade ativa e que a emigração recorde também leva a menos nascimentos.
A crise energética em Cuba também provoca efeito dominó. Somada à escassez de alimentos e combustível e agora também de mão de obra, dado o aumento na diáspora, o turismo na ilha, uma das únicas atividades econômicas de peso, piorou.
Segundo a agência de notícias Reuters, o Ministério do Turismo local afirma que Cuba recebeu 2,2 milhões de visitantes internacionais este ano, muito abaixo do seu objetivo original de 3,2 milhões e menos da metade dos níveis pré-pandemia.
MAYARA PAIXÃO / Folhapress