BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – Michael Schumacher “foi visto” no casamento da filha. O heptacampeão mundial vai ser avô. Mick Schumacher, seu filho piloto, pode ter uma nova chance na F1. Ralf Schumacher, seu irmão piloto, afirma que é homossexual. Um tribunal julga três homens acusados de chantagear sua família.
Esses são os títulos jornalísticos. As perguntas mais frequentes no Google são mais cruas e mostram no que se transformou o heptacampeão mundial de F1: “Há quanto tempo está em estado vegetativo?” “Qual é o diagnóstico?” “Tem danos permanentes?” “Ainda pode falar?” “Ainda consegue andar?” “Ainda tem renda?”.
Sim, um dos maiores pilotos da história ainda tem renda e uma fortuna avaliada em centenas de milhões de euros. Vive entre uma vila na Suíça e outra em Mallorca, entre a família e enfermeiros, entre a privacidade e a legítima curiosidade pública. Também em batalha permanente contra a curiosidade predadora das redes sociais e salafrários.
Onze anos após um acidente de esqui, em Méribel, nos Alpes franceses, Schumacher é um mistério erguido pela família, talvez um caso único no esporte. Quase nada sai do seu entorno, preservado por Corinna, sua mulher, e Sabine Kehm, jornalista e assessora desde os tempos da carreira esportiva.
O trabalho das duas é notável. Quase nada se sabe sobre o estado de saúde do heptacampeão mundial. O que não é recebido com silêncio pela família, como a suposta presença no casamento da filha ou mais uma tentativa de tratamento, é negado com veemência ou processo.
Tentativas de chantagem se empilham. O último episódio do tipo está em julgamento na Alemanha neste momento. Um ex-funcionário da família teria vazado milhares de fotos de Schumacher para um segurança de boate e seu filho. A dupla tentou extorquir 15 milhões de euros (R$ 96,8 milhões) da família em troca das fotos e de documentos relacionados ao tratamento do piloto. Dois dos acusados estão presos.
Poucos amigos têm acesso a Schumacher. Um deles é Jean Todt, seu ex-chefe na Ferrari, onde conquistou cinco de seus sete títulos de forma consecutiva (2000 a 2004), caso único no esporte. Suas palavras sobre o alemão são breves e cuidadosas, na linha “ele está diferente agora”. Bem mais sutil do que Felipe Massa, outro colega da escuderia, que uma vez soltou um “acho que ele piscou para mim”.
Algumas pessoas que eram próximas do ex-piloto foram afastadas. O caso mais notável é o de Willi Weber, empresário que negociou a maioria de seus contratos na época da F1.
Schumacher, 55, não era uma figura fácil. De origem simples, caso raro na F1, cresceu superando dificuldades financeiras. Em dos primeiros livros sobre sua carreira, lançado ainda na época do bicampeonato na Benetton (1994, 1995), um trecho descreve sua rotina após as corridas de kart: selecionar pneus usados descartados pelos rivais com mais recursos.
Não havia dinheiro para novos. Seus pais cuidavam do bar do kartódromo de Kerpen, pequena cidade próxima à Colônia. Serviam, não eram servidos.
Esse instinto de sobrevivência marcou a carreira de Schumacher. No primeiro título, foi acusado de jogar o carro, já avariado, contra o Williams de Damon Hill. Em 1997, foi desqualificado do Mundial por tentar fazer algo parecido contra Jacques Villeneuve. Seus feitos e recordes, de tão impressionantes, acabaram por superar a má fama prévia.
Em 2021, um documentário da Netflix tentou trazê-lo de volta para as gerações mais novas como alguém humanizado. Os depoimentos de amigos e familiares, como é a praxe nesse tipo de produção, contornam as polêmicas e, no caso, os efeitos deletérios do acidente que o afastou do público.
Em 29 de dezembro de 2013, Schumacher, que era excelente esquiador, sofreu uma queda em um trecho fora de pista, em uma manobra banal. Bateu a cabeça em uma pedra, apesar de estar de capacete; alguns relatos dizem que uma câmera presa ao equipamento de segurança causou o ferimento.
Foi removido de helicóptero do local e passou quase seis meses em coma induzido. Desde então, a história não é mais contada.
JOSÉ HENRIQUE MARIANTE / Folhapress