SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Para Janaina Wagner, o Curupira é mais do que uma figura folclórica. Essa criatura, que caminha para frente com os pés voltados para trás, é a síntese de um país que avança para o futuro ligado a práticas do passado.
Por essa razão, a artista transformou o ser mítico em personagem do vídeo experimental “Curupira e a Máquina do Destino”. A produção está exposta no Museu de Arte de São Paulo, o Masp, com outros dois vídeos.
Gravada em regiões da Amazônia, a trilogia reflete sobre a relação predatória que o Brasil estabeleceu com a natureza ao longo dos anos. A rodovia Transamazônica talvez seja o exemplo mais eloquente desse processo, motivo pelo qual ela atravessa os três vídeos.
Construída no auge da ditadura militar, a via foi anunciada como símbolo de progresso social e desenvolvimento econômico. No entanto, o que ela entregou foi desmatamento e violação de direitos indígenas. Durante a construção, esse grupo foi alvo de deslocamentos forçados, doenças, confrontos e até genocídio.
Os assurinis, indígenas habitantes do Médio Xingu, perderam quase metade da população, situação que se repetiu em diversos povos da Amazônia que até então viviam isolados. Se no passado diziam que a rodovia nos levaria ao desenvolvimento, hoje sabemos que ela conduziu o país na direção contrária. O Curupira é uma metáfora dessa contradição.
“Ele anda para frente, mas deixa pegadas para trás, criando uma espécie de rastro labiríntico. É uma criatura que dá imagem a um progresso que, na verdade, se trata de um retrocesso”, diz Wagner. “O Curupira mostra também que precisamos olhar para o nosso passado para entender para onde estamos indo.”
Em “Curupira e a Máquina do Destino”, o passado surge como um lembrete por meio de imagens da destruição da Amazônia durante a construção da rodovia, que volta a aparecer no vídeo “Quebrante”. Essa parte da trilogia tem como cenário a cidade paraense de Rurópolis, erguida para servir de base para os trabalhadores da Transamazônica.
O documentário tem a participação de Erismar, professora aposentada conhecida na região como a mulher da caverna. O epíteto surgiu após descobrir mais de 20 grutas com o auxílio de uma vela.
“Nunca tive medo do escuro”, diz ela. “Toda vez que entro na caverna, apago as luzes para sentir a escuridão. Aquilo para mim é um ímã.” Erismar descreve o escuro como se ele não fosse a ausência de luz, mas a presença de algo concreto e palpável.
“Isso é uma grande metáfora para falar desse obscurantismo que estamos vivendo”, diz Wagner. “Mas também é uma forma de enxergarmos a escuridão para além de algo negativo. A partir dela, pode surgir luz.”
Por vezes, a treva pode ser dissipada pela luz da Lua, que permeia o documentário. Ora ela é literal, ora é um grande balão inflável que adquire diferentes contornos no vídeo. Em uma cena, é brinquedo para três meninas; noutra, é matéria-prima transportada na caçamba de um caminhão.
A artista explica que seu fascínio pela Lua cresceu após estudar as hipóteses para o seu surgimento. A teoria mais aceita diz que o satélite natural foi formado após a colisão de um planeta contra a Terra, há cerca de 4,5 bilhões de anos. Com o impacto, um fragmento terrestre teria se soltado e formado a Lua.
“É por isso que ela inspira tanto romantismo e melancolia, como se fosse essa parte nossa que é impossível de recuperar”, diz a artista.
A temática cósmica se exacerba em “Quando o Segundo Sol Chegar / Um Cometa nos teus Olhos”, que completa a trilogia. A produção flerta com a ficção científica ao mostrar superfícies e formações rochosas que parecem pertencer a outro planeta. Além disso, existe uma atmosfera de apreensão no curta, como se fosse o prenúncio de um desastre.
“São trabalhos que têm essa tensão, mas sem drama”, diz Leandro Muniz, curador da mostra. “Ficções podem lançar luz sobre o real. Histórias cósmicas e existenciais também dizem respeito à vida cotidiana.”
Sala de Vídeo: Janaina Wagner
Quando: Ter., das 10h às 20h; Qua. a qui., das 10h às 18h; Sex., das 10h às 21h; Sáb e dom, das 10h às 18h.
Onde: Masp Museu de Arte de São Paulo – Avenida Paulista, 1578, Bela Vista
Preço: R$ 75 (entrada); R$ 37 (meia-entrada)
Classificação: Livre
MATHEUS ROCHA / Folhapress
