Dançarino de funk revela conexão entre Marrocos e Brasil pela música e futebol

BARCELONA, ESPANHA (FOLHAPRESS) – De turbante e óculos escuros, por detrás do vidro escuro do carro, Pablinho Fantástico se esconde no Marrocos. O dançarino anda coberto porque sob o sol ele é capaz de parar o trânsito. “No Brasil, estou acostumado a fazer fotos com fãs, mas não estou acostumado com gente vindo tirar foto assim de multidão, e tem sido algo muito inesperado”, conta ele em uma estrada de Rabat, capital marroquina.

Pablinho é uma figura conhecida do passinho, o termo guarda-chuva que abarca todas as modalidades de dança do funk. No Brasil, ele se tornou figura cativa em clipes da Anitta com o seu jogo de pernas e quadris que impressiona até quem vive de baile em baile. No Marrocos, porém, Pablinho é uma estrela cobiçada e querida, algo que ele só descobriu em sua recente viagem ao país.

A história de Pablinho conecta Brasil e Marrocos pelas amarras da música e do futebol, elementos essenciais da cultura para cá e para lá de Marrakech. É um círculo transatlântico que envolve as comemorações de gol do jogador Lucas Paquetá, o sucesso mundial do funk, marroquinos com naipe de funkeiro e cariocas que poderiam ser do Marrocos.

“Tudo começou com o rapper marroquino Stormy, que foi ao Brasil gravar um clipe com Oz Crias, meu grupo de passinho”, conta Pablinho. “Ele levou uma camisa do time do Marrocos para mim, com meu nome em árabe. A gente fez uma colaboração, ele falou que a galera gostava de mim no Marrocos, mas não era da forma como está agora —e foi por isso que eu vim para cá, porque a música é um sucesso por aqui.”

Desde que estreou no fim de fevereiro, a música “Popo” não sai do topo das paradas marroquinas. No clipe, Pablinho surge com seus já conhecidos bigode e cabelos louros à la “nevou”, dançando com amigos nas vielas e becos da Rocinha, onde nasceu. O vídeo alcançou mais de 43 milhões de visualizações no YouTube. “Agora falam que aqui é minha segunda casa, foi algo que virou a chave pra mim e pro Stormy”, diz Pablinho.

O protagonista do clipe não poderia deixar de ser o próprio Stormy, que vestindo a camisa do Brasil, anda de mototáxi, joga futebol com crianças e admira as vistas do morro enquanto rima em árabe sobre a batida do funk. Até então pouco conhecido mesmo no seu próprio país, Stormy virou uma estrela do dia para a noite com seu novo clipe.

No Rio, o artista se viu tão em casa quanto Pablinho no Marrocos. “A filmagem na Rocinha me fez sentir o calor da cultura marroquina”, conta. “Todos queriam nos ajudar e sentimos que os brasileiros tinham uma forte ligação com o futebol marroquino. Sempre que dizíamos que a gente era do Marrocos, as crianças gritavam ‘Hakimi!'”

Assim que descobriu quais eram as origens do funk que inspirou a sua composição, o artista não teve dúvidas sobre filmar o clipe em uma favela brasileira. “A música foi criada na época em que a música ‘Jogadinha do Paquetá’ estava muito popular no Marrocos, e o Paquetá inclusive é amigo do jogador marroquino Nayef Aguerd, eles jogavam no West Ham.”

Goiana radicada no Marrocos, a DJ Maria Malasangre confirma o sucesso dos passinhos do jogador Lucas Paquetá e do funk em sua homenagem. “No Marrocos, todo mundo joga bola na rua e o marroquino é louco por futebol, como no Brasil”, diz a artista. “Todo mundo sabe quem é o Paquetá, e isso contribuiu para a entrada desse funk, assim como outros jogadores que também levam a voz do funk mais longe.”

O Marrocos é formado majoritariamente por árabes e imazighen, autodenominação que substitui o antigo berbere, que originalmente significa “bárbaro”. Como em boa parte da África, no país o rap impera como música pop —não por acaso, rappers famosos de ascendência marroquina são comuns na Europa, como é o caso do espanhol Morad. “Hoje vejo muitas pessoas se inspirando no funk por aqui, especialmente rappers”, diz Malasangre.

Para a DJ, há também uma aproximação entre as duas culturas no que toca ao corpo, fundamental tanto no futebol como no funk. “Quando toco funk nas festas, vejo que as pessoas aqui no Marrocos dançam muito parecido como a gente dança no Brasil”, ela diz. “Já toquei na Espanha e na França e a gente sempre vê aquela movimentação quando toca funk, mas nunca vi com tanta intensidade quanto como vejo aqui.”

Foram os movimentos do baile que primeiro aproximaram a produtora cultural marroquina Aïcha Abbadi do Brasil. Ela, que também é dançarina, aprendeu a falar português ao se interessar por danças brasileiras. “Os marroquinos e os brasileiros têm a mesma energia”, diz Abbadi. “A maior diferença está na liberdade no espaço público, algo que não existe na nossa cultura. No Brasil, o espaço público é como uma festa diária.”

A produtora se encarregou de coordenar a filmagem do clipe de Stormy e a colaboração de Pablinho na Rocinha. Para ela, o Brasil também tem se atentado mais ao que se passa no Marrocos: “Em 2019, ninguém conhecia o Marrocos quando eu falava a respeito, mas dessa vez, depois da Copa de 2022, muita gente com quem falei no Rio conhecia o Marrocos, conhecia jogadores como Hakimi.”

No Marrocos, a estrela da vez é mesmo Pablinho. Um dos seus fãs, conta o dançarino, é um garoto que viajou oito horas de ônibus só para encontrar-se com o ídolo. “Eu dei uma Kenner para ele”, diz Pablinho. De chinelo brasileiro, ele dança ao lado de Pablinho ao som da música “Popo”. O vídeo está no Instagram, assim como outro vídeo em que ele dança ao som de “Jogadinha do Paquetá” —com centenas de elogios de brasileiros.

As redes sociais selam esse contato de lá e cá. No TikTok, é possível encontrar até mesmo perfis dedicados à chamada “União Brasil-Marrocos” com vídeos, fotos e comentários em que marroquinos clamam ser os brasileiros da África. Como é típico de países fronteiriços, há uma rivalidade em jogo: os argelinos também querem o título.

Pablinho desconversa: “O Marrocos é a casa que me abraçou… mas nada contra a Argélia, um país que também me abraça!” No Rio, onde é comum que bailes recebam nomes de nações do mundo, não tem briga. Na zona oeste, o bairro da Vila Kennedy recebe todos os finais de semana o “Baile do Marrocos”, e na Baixada, sexta e sábado é dia de “Baile da Argélia”.

FELIPE MAIA / Folhapress

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