SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Dani Calabresa, hoje, consegue trabalhar em paz. Em entrevista à Folha, ela parece querer deixar de lado o caso que a acompanhou pelas manchetes há quatro anos, quando foi uma das seis mulheres da TV Globo que acusaram o ex-diretor da emissora Marcius Melhem de assediá-las sexualmente.
O humorista, hoje réu sob acusação de assédio sexual contra outras três mulheres as atrizes Carol Portes e Georgiana Coutinho Goes, e uma editora da TV Globo, nega todas as acusações.
“Agora consigo exercer minha profissão sem sofrimento. Minha preocupação é estar bem no palco”, diz Calabresa, que estreou como atriz de musical em “O Jovem Frankenstein”, que chega ao Teatro Bradesco, em São Paulo, nesta sexta-feira (19) depois de uma temporada no Rio de Janeiro.
No papel de Elizabeth Benning, noiva do protagonista, o neurocirurgião Frederick Frankenstein papel de Marcelo Serrado, Calabresa exerce seu humor à risca, com tiradas inteligentes e sem perder o tom nos números musicais, nos quais dança se equilibrando em sapatos com saltos altos e ostentando uma vistosa peruca ruiva que a faz sentir, como já disse, a própria Ariel de “A Pequena Sereia”, mas da 25 de Março.
“Sinto um alívio. É como terminar um namoro com a promessa de nunca mais repetir”, diz Calabresa. “O que a Justiça decidir no caso do Melhem, que seja. Já sofri mais do que devia com essa história. Eu queria trabalhar sem chorar e consegui”, afirma.
A denúncia se tornou pública em 2020, em uma entrevista da advogada Mayra Cotta, representante do grupo, à coluna da Mônica Bergamo, da Folha. Na época, os nomes foram mantidos em sigilo, pois nenhuma delas estava decidida a se expor, e nem todas se dispunham a acioná-lo judicialmente.
Mas logo o de Calabresa veio à tona, quando Melhem divulgou mensagens trocadas com ela e foi à Justiça, em janeiro de 2021, processá-la por dano moral.
“A situação me fez sofrer muito. Foi algo muito injusto porque tenho uma vida e uma carreira e não foi algo que eu fiz e que, por isso, teria de responder pelo ato”, diz ela, cujas acusações contra ele, assim como de outras mulheres, não se converteram em processo porque prescreveram.
No caso de Calabresa, fora o assédio sexual, um suposto crime de importunação não se aplicaria porque a abordagem teria ocorrido em 2017 anterior, portanto, à vigência da lei, que é de 2018.
Mas os processos contra Melhem seguem. Em agosto do ano passado, ele foi denunciado, sob acusação de assédio sexual contra Portes, Goes e uma editora da Globo, que o incriminam de abordagem sexual em meio a conversas acerca do roteiro, do elenco e do papel a ser atribuído à personagem das vítimas.
Em setembro, a Justiça aceitou a denúncia apresentada pelo Ministério Público e o tornou réu por assédio sexual. “O meu sentimento é de indignação absurda”, disse ele, à época, em entrevista à Folha.
“Meu alívio é que minha denúncia foi acatada dentro da Globo, foi minha vitória”, diz Calabresa, em referência à demissão de Melhem da emissora. Ela também deixou de ter contrato fixo com a Globo em 2022, mas segue fazendo trabalhos pontuais.
O compliance da emissora, porém, disse à Justiça que o crime não foi provado, em resposta a uma ação do Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro (MPT-RJ), que torna a empresa ré, ao acusá-la de ter supostamente permitido os casos de assédio no ambiente de trabalho.
“Perceber algo desagradável é muito difícil. Uma relação errada, um comportamento errado faz com que a gente tende a buscar a culpa dentro de si, especialmente as mulheres. Não podemos normalizar o abuso de forma alguma em situação nenhuma em lugar nenhum. Não se pode culpar a vítima.”
Para a atriz, o movimento de mulheres nos Estados Unidos que resultou em uma série de processos por assédio sexual contra o ex-produtor Harvey Weinstein é importante, mas representa uma lenta evolução.
“Foi um passo de formiga, pois ainda há quem questiona as mulheres que aceitaram ir ao quarto dele para ler um roteiro. Era o convite de um diretor, um produtor, como não confiar? Ainda há muitas camadas de julgamento.”
O que a animou a aceitar o convite dos diretores e produtores Claudio Botelho e Charles Möeller a participar de “O Jovem Frankenstein”, além da oportunidade de estrear em um musical, é olhar mais atualizado e menos machista do espetáculo.
Inspirado no filme dirigido em 1974 por Mel Brooks, que também criou a versão da Broadway, em 2007, o espetáculo utiliza o universo dos filmes de terror para construir uma sátira marcada pelo deboche.
É o caso da presença de personagens insólitos, como Igor vivido por Fernando Caruso, servo corcunda e de olhos esbugalhados, que troca deliberadamente a posição da corcova nas costas para confundir as pessoas. Ou de Frau Blücher papel de Totia Meireles, a intimidadora governanta cujo nome dito em voz alta faz os cavalos relincharem.
“É um musical complexo, com qualidades como a estética do terror e o tempo da comédia absurda do Mel Brooks, que é uma dos melhores do mundo”, diz o diretor Charles Möeller.
“E, ao contrário do original, no qual os papeis femininos eram secundários, aqui elas têm o poder de mudar o rumo da trama”, afirma Calabresa, que se inspirou na comediante Madeline Kahn, intérprete de Elizabeth no longa, mulher fogosa que se apaixona pelo Monstro papel de Hamilton Dias criado por Frederick Frankenstein por causa de seu “enorme Schwanzstucker”.
“Ela traz a malícia necessária para a personagem”, afirma a atriz, que só se sentiu segura para participar da produção após consultar o fonoaudiólogo Gilberto Chaves. “Ele me convenceu que tenho voz e fôlego para fazer as muitas sessões da peça durante a semana.”
Integrante de um grande time de comediantes brasileiras, Dani Calabresa credita essa presença à atuação de Dercy Gonçalves. “Ela abriu uma passagem para artistas como eu justamente por ter um jeito único e espontâneo de falar, com uma naturalidade de mesa de bar e com a liberdade de berrar à vontade”, observa ela, ainda cética, porém, em relação à paridade de gêneros na arte.
“Continuamos lutando para mostrar que a mulher consegue fazer igual ou até melhor que muitos homens, daí a existência hoje de mulheres roteiristas, diretoras, produtoras, cenógrafas, todas com qualidade. Mas ainda são pequenas bolhas que surgem no meio.”
O JOVEM FRANKENSTEIN
Quando Estreia nesta quinta-feira (18). Qui. e sex., às 21h; sáb., às 16h e às 21h; e dom. às 16h. Até 10 de março.
Onde Teatro Bradesco – r. Palestra Itália, 500 – 3° piso, São Paulo
Preço R$ 37,50 a R$ 140
Classificação 14 anos
Elenco Marcelo Serrado, Dani Calabresa, Totia Meireles
Direção Charles Möeller
Link: https://uhuu.com/evento/sp/sao-paulo/o-jovem-frankenstein-12058
UBIRATAN BRASIL / Folhapress