Daniel de Paula exibe pinturas com cheiro de cadáver em crítica ao capital

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Parece contraditório pôr cheiro de morte numa exposição, um momento de celebração da obra de um artista. Mas foi isso que Daniel de Paula fez para sua nova mostra individual na galeria Jaqueline Martins, em São Paulo.

Este ano, ao criar uma série de pinturas —formato inédito em seus cerca de 15 anos de carreira—, o artista misturou na tinta preta gotas de um líquido usado para treinar cães farejadores a encontrarem corpos de vítimas de catástrofes ou desastres naturais.

De Paula cogitou a possibilidade de levar os cachorros em ao menos um evento público na galeria, mas acabou desistindo, não sem antes fazer um teste e confirmar que os bichos latiam para as telas, um conjunto de pinturas minimalistas nas quais palavras projetam sombras de seus termos opostos ou complementares.

Intitulada “Anti-epifania”, uma das ideias da série é “revelar a essência atrás da aparência”, ele diz. Outra é fazer uma crítica às frases de efeito com as quais somos bombardeados em posts motivacionais no Instagram. Por fim, as pinturas atacam o próprio universo no qual De Paula está inserido.

“O fetiche da arte esconde o caráter mercantil e violento da mercadoria, mas o trabalho de arte é uma mercadoria e tem cheiro de morte. Ele está imbuído da violência do sistema capitalista por ser uma mercadoria”, afirma.

“Infraestrutura, Instituição e Indivíduo”, que abre para o público neste sábado (19) e fica em cartaz até outubro, é a segunda exposição do artista de 35 anos em sua galeria nos últimos seis anos. A mostra avança a pesquisa de De Paula a respeito de como as estruturas invisíveis da sociedade capitalista afetam a vida do indivíduo.

Este discurso cabeça se materializa também em outra série de trabalhos expostos —estruturas de tubos de cobre ou latão acoplados a rochas em formato de bastão. As pedras foram obtidas do fundo do solo de obras públicas de mobilidade urbana e geração de energia, a partir de sondagens feitas por geógrafos nos terrenos para saber quanto peso aguentavam.

O artista argumenta que as pedras são pedaços tangíveis de estruturas construídas para permitir às pessoas a produção e circulação de mercadorias, a única medida de valor dos indivíduos no capitalismo. Já o latão e o cobre, ele diz, têm uma beleza muito sedutora. Como as peças podem ser manuseadas, o propósito do toque é mostrar para o público que ele está envolvido no sistema em que vive.

A obsessão por revelar a mão invisível do mercado já levou o artista a expor, na Bienal de São Paulo de 2019, a antiga roda de negociação da Bolsa de Chicago onde por décadas foram negociados grãos. A obra, feita em parceria com Marissa Lee Benedict e David Rueter, assumiu naquele contexto artístico um caráter nada monetário —seu formato de arquibancada foi palco para shows de rap, conversas públicas e manifestações do MST, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

Para obter a roda, que seria descartada pela Bolsa de Chicago, foi necessária uma longa negociação com a instituição, segundo o artista. O processo burocrático e às vezes lento da conversa com órgãos privados e públicos também faz parte do trabalho de De Paula, num corpo de obra que com frequência se apropria de estruturas e peças em vias de serem jogadas fora e lhes dá novos significados.

Escoradas nas paredes da galeria, estão duas grandes réguas antigamente usadas pela Sabesp, a companhia de saneamento paulista, para medir a quantidade de água nos reservatórios. “Elas estavam marcando o nível das represas durante a maior crise hídrica que o estado de São Paulo teve nos últimos anos”, diz o artista, pondo em palavras o clima de catástrofe iminente que permeia toda a exposição.

INFRAESTRUTURA, INSTITUIÇÃO, INDIVÍDUO – DANIEL DE PAULA

– Quando De 19 de agosto a 21 de outubro; de terça à sexta, das 10h às 10h; sábado, das 12h às 17h

– Onde galeria Jaqueline Martins – r. dr. Cesário Mota Júnior, 443, São Paulo

– Preço Grátis

JOÃO PERASSOLO / Folhapress

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