SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Às vésperas do fim da vigência da lei do Plano Nacional de Educação, apenas quatro, das 20 metas estabelecidas para serem alcançadas até o final de 2024, foram ao menos parcialmente cumpridas pelo país.
Sancionado em 2014 pela presidente Dilma Rousseff (PT), a lei do PNE estabeleceu que o país deveria perseguir uma série de metas para todos os níveis, da educação infantil à pós-graduação. Um relatório feito pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação aponta, no entanto, que na última década não só houve poucos avanços, mas até mesmo retrocessos, nos objetivos definidos para melhorar a educação brasileira.
Na maioria do objetivos estabelecidos pelo PNE, houve algum avanço nesse período, mas as progressões não ocorreram em ritmo suficiente para que ao menos uma meta seja considerada alcançada.
A dificuldade de progressão coloca pressão no governo Lula (PT), que será responsável por formular ainda este ano um novo plano para orientar as políticas educacionais da próxima década. Além dos objetivos não alcançados, novas demandas foram acumuladas na área nesse período.
“Os objetivos não cumpridos serão um legado negativo para o plano a ser seguido nos próximos dez anos, com o risco de limitar o horizonte de onde o país pode chegar. Nessa última década, milhões de estudantes passaram pela educação básica e pelo ensino superior sem ter tido garantido o direito ao ensino de qualidade que o país pactuou que deveria ser oferecido a eles”, diz Andressa Pellanda, coordenadora da Campanha.
Uma das metas em que o país retrocedeu foi a que tinha como objetivos garantir que 100% da população de 6 a 14 anos tivesse acesso ao ensino fundamental e que ao menos 95% desses alunos concluíssem o ciclo na idade adequada.
Em 2014, 97,2% da população dessa faixa etária frequentava ou já havia concluído a etapa. Essa proporção seguiu em aumento até 2019, mas após a pandemia houve queda para 95,7% em 2023 –o que representa cerca de 1,13 milhão de crianças, sendo que 150 mil sequer frequentavam a escola no ano passado.
Em relação ao percentual de alunos que concluíram o ensino fundamental na idade adequada, o indicador subiu de 73,1% para 84,3% em 2023 –ainda longe do objetivo de 95% estabelecido para o ano seguinte.
“No contexto da pandemia, a questão do acesso e da permanência voltou a figurar entre as principais preocupações relacionadas à educação, mas é importante notar que a exclusão escolar também não era um problema resolvido anteriormente. Com isso, não basta um retorno ao padrão pré-crise”, diz o relatório.
Além do acesso à educação, o Brasil também retrocedeu em objetivos que previam avanço na qualidade do ensino. Neste período, apenas nos anos iniciais do ensino fundamental (do 1º ao 5º ano) o país conseguiu alcançar e superar as metas de aprendizado estabelecidas para o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) –por isso, esse objetivo do plano é considerado parcialmente cumprido.
Já para os anos finais do ensino fundamental (do 6º ao 9º ano), o Ideb se manteve próximo às metas, mas sem cumpri-las. No ensino médio, houve pequena queda de desempenho no indicador nacional e no Pisa, uma das principais avaliações de qualidade da educação básica do mundo.
Houve ainda retrocesso na meta de alfabetização da população com mais de 15 anos. O plano estabelecia que o país deveria chegar até 2015 com 93,5% desse grupo com a habilidade de ler e escrever, o que só aconteceu dois anos depois e chegou a 95% em 2021, valor máximo da série.
Nos anos seguintes, no entanto, a taxa começou a cair, alcançando 94,6% da população, em 2023, um saldo de 9,3 de milhões de pessoas sem saber ler e escrever. “Até por se tratar de um contingente maior do que a população de muitos países, não há absolutamente nenhuma razão para esperar que o objetivo de erradicar o analfabetismo absoluto seja cumprido no ano seguinte [2024]”, diz o documento.
O relatório da campanha destaca que o descumprimento da meta de alfabetização de adultos é resultado da descontinuação do programa Brasil Alfabetizado, criado em 2003 no primeiro governo Lula. Foi só em 2024 que uma política nacional sobre o tema foi retomada.
“Mesmo com a aproximação do fim de vigência do PNE, a intensificação de esforços no cumprimento de seus objetivos é fundamental para que o próximo decênio possa ter em seu horizonte objetivos mais avançados ao invés da remediação do que não foi feito no período que passou”, diz o documento.
Outra meta descumprida pelo plano é a que previa valorizar os professores da rede pública da educação básica, com a equiparação dos salários desses docentes aos demais profissionais com a mesma escolaridade até 2020. Em 2014, o rendimento deles equivalia a 70,2% a das demais profissões. O percentual subiu, mas alcançou apenas 86% em 2023.
Das demais metas parcialmente cumpridas está o objetivo de ter metade das matrículas da educação profissional técnica de nível médio na rede pública, mas o país não conseguiu triplicar o número de alunos nessa modalidade, como estava previsto no plano.
O relatório destaca que o aumento das matrículas nesse modelo foi acelerado após a reforma do novo ensino médio que passou a incluir a formação técnica como um possível itinerário formativo. “Essa expansão vem acompanhada de sérias ameaças em relação à qualidade, uma vez que a reforma trouxe novidades como a possibilidade de profissionais sem formação docente lecionarem disciplinas do itinerário profissionalizante e a possibilidade do ensino a distância.”
Também foi parcialmente cumprida a meta que previa ter ao menos 75% dos docentes do ensino superior com título de mestre ou doutor –proporção que já estava praticamente alcançada em 2014 na rede pública. Esse objetivo só não foi totalmente conquistado porque a rede privada não conseguiu chegar a 35% dos docentes com mestrado, tendo alcançado o índice de 29%.
O documento avalia que a maioria das metas não foi alcançada pelos investimentos em educação terem sido insuficientes durante a vigência do plano.
“Ainda que algumas políticas já estivessem abandonadas, como a EJA [ensino de jovens e adultos] e o ensino em tempo integral, o Teto de Gastos limitou os investimentos em outras ações que estavam caminhando. Agora, o arcabouço fiscal e o limite para o piso da Educação, do governo Lula, podem atravancar o cumprimento do plano na próxima década”, diz Andressa.
Por isso, a Campanha defende que o próximo PNE mantenha em suas metas a elevação do gasto público em educação a 10% do PIB (Produto Interno Bruto) –objetivo que consta no plano atual, mas que permaneceu estagnado em 5% nesses dez anos.
A reportagem questionou o MEC sobre o descumprimento da maioria das metas do PNE e sobre o projeto de lei que o governo prepara para o novo plano, mas não houve resposta.
ISABELA PALHARES / Folhapress