SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quem ouve falar que alguns pesquisadores catalogaram o artesanato feito no Maranhão tende a se interessar muito mais pelo conteúdo do que pelo processo. É compreensível, afinal, o estado é conhecido por enquanto, menos do que deveria pelo trabalho manual envolvido em seus carnavais e celebrações de Bumba meu Boi, por exemplo.
O trabalho que resultou no portal Artesanato do Maranhão, no entanto, foi muito mais aventuresco do que pode parecer a princípio.
De 2017 para cá, o grupo por trás do Mapearte, projeto responsável pela criação do site, percorreu mais de 2.000 povoados e mapeou mais de 4.000 artesãos, que vivem em mais de mil povoados, distribuídos em 91 municípios. Números que ficam ainda mais dramáticos quando se leva em consideração que muitos desses povoados não eram de fácil acesso.
O portal reúne fotos de alguns dos rios e igarapés navegados, matas desbravadas e estradas de barro que atolaram variados veículos utilizados na pesquisa que foram de carros e barcos a garupas de moto e caronas em caminhões.
O resultado é uma coleção robusta de informações, que podem ser acessadas de diferentes formas. Inicialmente o Mapearte, queria reunir os dados em um catálogo impresso, ideia que se mostrou impraticável. Conforme avançaram as pesquisas, o grupo percebeu que sua expectativa inicial de encontrar, quando muito, dois mil artesãos, estava subestimada. Até o momento, eles conversaram com 4.736 pessoas.
“Desenvolvemos essa metodologia que passa por todo um preparo antes de ir para o território, mas que é basicamente de rastreamento, indo de lugar em lugar e procurando os artesãos”, diz Paula Porta, pesquisadora e curadora responsável pela iniciativa.
Ela explica que o trabalho foi feito por equipes de seis a oito pessoas que iam à campo, se aprofundando no Maranhão em incursões de 15 ou 20 dias. “Esse método revelou para a gente um universo imenso, que a gente não esperava encontrar.”
Porta é historiadora e tem quase três décadas de experiência com projetos e políticas culturais. Ela trabalhou no Ministério da Cultura em 2005, sob a gestão do músico Gilberto Gil, no primeiro governo de Lula, e desde lá já participava de discussões sobre o mapeamento da cultura.
O Mapearte, que contou com o patrocínio do governo do Maranhão e da Vale do Rio Doce, permitiu que a criadora encontrasse um método ideal para essas pesquisas.”Nenhum estado do Brasil tem o que a gente está entregando para o Maranhão, é o maior mapeamento já feito no país”, ela afirma.
“Eu me dediquei ao modelo de apresentação desses dados porque acho que isso pode ser replicado em todos os lugares, inclusive plataformas de vários estados poderiam se conectar a uma plataforma nacional, ou esse método poderia abrir espaço para comunidades indígenas fazerem seu próprio mapeamento, por exemplo”, ela afirma.
A Artesanatos do Maranhão foi pensada para ser utilizada pelo usuário comum, a grande vontade do projeto é trazer visibilidade para esses produtos produzidos pelo estado e mostrar para os interessados como eles podem obtê-los. A plataforma, no entanto, extrapola essa função. É também um banco rico de dados sobre o estado, com informações inclusive sobre regiões que o governo não havia mapeado.
“É útil para o artesão ter visibilidade cada um deles tem sua página, para o comprador saber o que há e como chegar nesses lugares, para a pesquisa, para a formulação de políticas públicas; enfim, acho que ela vai ter muitos usos”, diz Porta.
“O Maranhão ainda é muito desconhecido no Brasil, mesmo as paisagens e a cultura. E o artesanato tem muita relação com o território, com o meio ambiente e com a paisagem”, ela diz. ” Atuamos principalmente na Amazônia e no cerrado. Essa característica amazônica é muito forte no artesanato, tanto pelos conhecimentos, instrumentos usados e os materiais, quanto nessa relação com as águas, as palmeiras e a paisagem.”
Já na página inicial do site estão os rostos de alguns dos artesãos que conversaram com o Mapearte. Foi uma preocupação central do projeto retratar essas produções culturais com humanidade, mostrando quem são as pessoas por trás delas. O artesanato, afinal, carrega as subjetividades de quem o faz nas técnicas e tradições presentes em sua construção.
E esse, Paula lembra, é um artesanato muito utilizado pelas comunidades da região. Itens produzidos manualmente são utilizados no cotidiano dos maranhenses, na pesca e em outras atividades, e nas festividades da palha de buriti nas vestes do reisado às roupas coloridas do carnaval e do bumba meu boi, ou aos instrumentos do tambor de crioula.
“É possível dizer que o artesanato é a maior expressão cultural do Maranhão, pela extensão da presença dele. E esse artesanato tem um vínculo muito grande com a questão ambiental.” Para a pesquisadora, essa produção deveria ser levada em conta em discussões sobre sustentabilidade. “São pessoas que estão preservando seu território e tendo uma relação harmoniosa com ele.”
DIOGO BACHEGA / Folhapress