De cangurus para o palco, brasileiro dança doutorado e pensa em Eurovision

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Weliton Menário Costa, 32, sentia que nunca se encaixava em lugar nenhum na vida. Foi na Austrália, pesquisando comportamento, diversidade e personalidade dos cangurus, seres logicamente distantes da realidade ambiental brasileira, que se achou. Dançou um doutorado e agora sonha e dá os primeiros passos em direção aos palcos –e, quem sabe, até mesmo à competição europeia Eurovision.

No fim de fevereiro, a tradicional revista Science anunciou os vencedores do Dance your Ph.D, nome que aponta literalmente a intenção do concurso: explicar projetos de doutorado através de vídeos de dança. A iniciativa existe desde 2008 e já teve outros ganhadores brasileiros. Em 2024, os vencedores das categorias de biologia, química, física e ciências sociais ganharam US$ 750 (R$ 3.745). O grande vencedor, que foi Costa, leva, além desse valor, US$ 2.000 (R$ 9.986).

A competição foi patrocinada pela empresa de tecnologia quântica e inteligência artificial SandboxAQ.

Costa, mais conhecido como Weli, concluiu em 2021, pela Universidade Nacional Australiana, o doutorado sobre os cangurus-cinzas orientais (Macropus giganteus) que vivem no Parque Nacional Wilsons Promontory.

A verdade é que os cangurus nunca foram o alvo ou um objetivo imaginado desde sempre. Foram quase acidentais, fruto do desejo de estudar comportamento. O desejo de Weli, na verdade, era sair de onde estava e buscar novas possibilidades de vida.

Nascido na zona rural, em Ribeirão do Meio, uma comunidade na pequena capixaba Conceição do Castelo, que tem quase 12 mil pessoas, Weli só conhecia a realidade da roça. “Era esse o meu futuro”, diz. “Eu não tinha condições de sonhar, por questões financeiras ou porque não tinha nada ali… Não tinha parque, não tinha nada, eu brincava na roça de milho.”

Avançando na história, vieram a formação no ensino médio no Ifes (Instituto Federal do Espírito Santo) e a graduação em biologia no mesmo instituto, e uma bolsa do extinto programa Ciências Sem Fronteiras que levou Weli, finalmente, à Austrália.

Quando voltou ao Brasil, sentiu que tinha que sair de novo. Sem passar pelo mestrado, entrou diretamente no doutorado na Universidade Nacional Australiana, um período que, além de estar dentro da pandemia de Covid, levou Weli a adoecer.

A verdade é que o pesquisador se sentia frustrado. Apesar de estar no processo do doutorado e da vida acadêmica, Weli pensava mesmo em cantar. “No interior, eu ficava lá cantando sozinho, não tinha treinamento de nada, e era ruim, né? Não era igual, sei lá, a Paula Fernandes que cantou e a mãe dela largou tudo e mudou para São Paulo. Eu cantei e me mandaram calar a boca”, conta o cantor-pesquisador.

Foi no doutorado que, além de desenvolver seu projeto com cangurus, Weli desenvolveu mais a veia artística, com aulas de canto e dança, e escrita de músicas. Chegou a ter até uma banda no período, mas ela não vingou porque os cangurus demandavam muito tempo nas atividades de campo.

Para pesquisar personalidade e comportamento desses marsupiais, Weli, em um de seus experimentos, aproximava um carrinho de controle remoto dos bichos, algo que, até onde se sabe, eles nunca tinham visto. O interesse era descobrir qual seria a reação individual e coletiva deles. Como o próprio clipe da música de Weli mostra, há os cangurus mais curiosos que se aproximam da máquina, os que correm e os que só ficam olhando. O contato durava cerca de três minutos, para haver algo além da reação imediata.

“Eu deixava eles responderem no contexto social. Porque são animais que têm um contexto social muito presente na vida. Então eu queria saber se, quando eles se comportam, se eles seguem a personalidade dele ou se eles ficam se ajustando ao grupo”, afirma o pesquisador-cantor.

Em outro experimento, o próprio Weli andava em direção aos cangurus até que os bichos se afastassem dele. A ideia era medir qual era a distância permitida por eles.

Esse experimento, inclusive, colocou Weli bem próximo de um canguru com aproximadamente seu peso e altura que, no ano anterior, tinha matado outro canguru. “Ele era minha maior ameaça”, conta. “Eu lembro até hoje a distância: foram 6 metros. Eu cheguei nos 8 metros, não saiu. Cheguei no 6 e falei: ‘não vou chegar aos 5’. Aí ele fugiu.”

Ao mesmo tempo, o pesquisador contextualiza e alivia o lado do canguruzão. Ele diz que cangurus não são predadores, mas, sim, presas, então, especialmente os selvagens estão mais propensos a respostas de fuga do que de ataque.

O último experimento era tocar música para os cangurus e estudar suas reações. E, não, Weli não usou músicas próprias. “Na época eu não fazia música. Mas, se eu fizesse, com certeza teria usado.”

Uma das descobertas desse experimento foi que cangurus não gostam de Dua Lipa. Para ser mais justo, eles se assustam facilmente com músicas cantadas –então Weli usou só as instrumentais.

Com todos os dados coletados nos experimentos, o pesquisador-cantor diz ter chegado à conclusão de que os cangurus têm suas personalidades, mas que eles vão se moldando ao grupo em que estão, e tais trocas acontecem com bastante frequência.

“A diferença entre grupos é maior do que a diferença entre indivíduos. O que indica é que eles preferem se conformar com o comportamento de todo mundo no grupo do que seguir a própria personalidade”, afirma Weli.

Tudo isso pode ser resumido com “Kangaroo Time”, a música e o clipe que ganharam a competição geral do Dance Your Ph.D. O vídeo é autoexplicativo, mas nele Weli usou a dança –logicamente– para mostrar as relações entre personalidade, comportamento e grupos.

Uma das ideias no vídeo era tentar representar a diversidade de comportamentos e personalidades. “Eu já tinha uma clareza desde o início, que eu queria gente de balé, gente de funk, para ter essa diversidade do clássico para o urbano. E eu queria drag queen para comunicar também com a comunidade LGBT, que é extremamente importante”, afirma Weli.

E, a partir de agora, a área artística é o desejo de Weli. “Não significa que é isso que vai ser para sempre, né? Eu acho que agora eu preciso me dedicar à parte criativa. A ciência é limitada na realidade e é assim que ela tem que ser. Mas eu sinto muita falta de ser criativo”, afirma o cantor, que já tem um EP no Spotify chamado “Yours Academically, Dr. WELI” –que conta, logicamente, com a “Kangaroo Time”.

Inclusive, quando “Kangaroo Time” estava pronta, surgiu a percepção de que, talvez, a música caísse bem na competição internacional Eurovision. O concurso, segundo Weli, chegou a entrar em contato para usar o clipe do cantor (não para a competição, que já tem participantes definidos para 2024; a Austrália será representada pelo duo Electric Fields, com a música “One Milkali (One Blood)”), mas, até o momento, nada foi postado nas redes do Eurovision.

(Você pode estar pensando: “mas a Austrália não fica na Europa”. Sim, mas mesmo assim ela participa do Eurovision.)

Porém, sempre há o próximo Eurovision. “Agora tem que fazer o marketing”, diz Weli.

De toda forma, um prêmio já veio para Weli e outras recompensas também, como ver o pai indo na rádio comunitária falar da música e a mãe compartilhando a canção entre o grupo de professores de sua cidade. “As pessoas amaram a música; minha mãe, minha avó, meu pai, todo mundo abraçou a música”, diz.

Mesmo tentando um mergulho musical, a veia pesquisadora de Weli ainda está lá. “Minha maior validação como cientista foi fazendo música, fazendo vídeo, sendo criativo”, afirma. “Arte, música, cultura e ciência. É a fusão de tudo. Nunca me senti tanto um cientista. Eu não conseguia falar ‘sou biólogo’. Hoje eu falo que sou cientista, sou cantor, sou criador.”

PHILLIPPE WATANABE / Folhapress

COMPARTILHAR:

Participe do grupo e receba as principais notícias de Campinas e região na palma da sua mão.

Ao entrar você está ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.

NOTÍCIAS RELACIONADAS