De terroristas a submissas, palestinas sofrem associações preconceituosas

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quando a estratégia em uma guerra é baseada na permanência em um espaço, a subsistência se torna uma questão central. É o caso dos cerca de 5 milhões de palestinos espalhados em 6.000 km² não contínuos, pertencentes à Faixa de Gaza e à Cisjordânia.

Segundo ativistas e pesquisadoras, recai sobre as mulheres o trabalho de garantir o dia a dia em meio a situações de conflito ou de escassez de recursos, de modo que elas se tornam essenciais, embora pouco reconhecidas, na causa palestina.

Dados do Unicef publicados em 2021 apontam que 21,7% das palestinas de 20 a 49 anos tinham casado antes dos 18 (19,9% na Cisjordânia e 24,4% em Gaza). O papel das mulheres palestinas em situações de conflito e os estereótipos ligados a elas voltaram ao debate neste mês, após Israel declarar guerra ao Hamas e ampliar o cerco a Gaza.

Filha de um refugiado palestino, a ativista e pesquisadora Soraya Misleh afirma: “É importante ressaltar que nós não somos terroristas”. Para ela, os estereótipos que associam árabes ao terrorismo ou mulheres árabes muçulmanas à submissão criam uma uniformização que desumaniza.

“Nem todas as mulheres ali são muçulmanas, e entre as que são muçulmanas o problema não é o véu. O problema é a imposição”, afirma. “As mulheres na Palestina lutam duplamente contra o machismo e contra a colonização.”

Existem contrastes entre a Cisjordânia, sob comando da Autoridade Palestina e mais liberal nos costumes em relação aos pares árabes da região, e a Faixa de Gaza, sob comando do Hamas.

Misleh ressalta que as palestinas formam organizações assistenciais desde a década de 1920, quando lutavam contra o colonialismo britânico, e lembra que estiveram à frente de protestos na Cisjordânia em 2015. “Na Palestina as mulheres trabalham, estudam. [Essa resistência] para as mulheres não era uma opção, é parte da vida.”

Segundo Arlene Clemesha, professora de história árabe na USP, a principal forma de resistência dos palestinos, hoje, não se dá pelas milícias, mas, sim, na criação dos filhos, no cuidado com a alimentação e com a casa. Esses mecanismos, para a professora, permitem a resiliência de Gaza.

A refugiada palestina e professora da UnB (Universidade de Brasília) Muna Odeh diz que “o cotidiano é o mais difícil e é nele que essa luta se traduz”. Tanto no território de sua família como na diáspora ela identifica estereótipos ligados às mulheres árabes. Mesmo vivendo no Brasil há décadas e ocupando um cargo alto na universidade, ainda escuta comentários preconceituosos por ser de origem árabe. “Ainda me questionam se sei dirigir, se a mulher árabe anda atrás do homem.”

As histórias pessoais viram instrumento usado por elas para criar consciência nos descendentes, seja no território palestino ou fora dele. “A mulher é como uma guardiã da humanidade do povo palestino”, diz Muna.

Ela lembra que sua mãe, viúva aos 27 com quatro filhos pequenos, precisou entrar no mercado de trabalho para garantir o sustento de todos. Muna, que nasceu e cresceu em Jerusalém, perdeu o pai e o irmão de nove meses em um bombardeio na Guerra dos Seis Dias, em 1967.

Foi nesse momento que Israel fez um dos maiores avanços territoriais sobre o que era, até então, considerada terra palestina na divisão estabelecida em 1948, assimilando a Cisjordânia e a península do Sinai. Mais tarde, ambas foram devolvidas aos palestinos e egípcios, respectivamente –ainda que a Cisjordânia, na prática, não esteja sob total controle palestino.

“As mulheres fazem desde sempre um trabalho sistemático, elas lidam com as coisas corriqueiras”, afirma Muna. “Há muita primazia na mídia para algo mais sensacional: a morte, a violência, a parte visual.”

BÁRBARA BLUM / Folhapress

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