SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A tensão era latente nos estúdios da TV Gazeta na avenida Paulista, região central de São Paulo. A agressividade entre os candidatos se intensificava, bloco a bloco, no debate do dia 1º de setembro. De repente, a jornalista Denise Campos de Toledo, que era a mediadora, viu José Luiz Datena (PSDB) sair do seu púlpito para ameaçar fisicamente Pablo Marçal (PRTB).
“Não estava nervosa”, lembra ela. “Sabia que subiria o tom para fazer as regras definidas.”
O duelo entre Datena e Marçal ilustra o ambiente de hostilidade que prevaleceu nos debates até o momento, na corrida eleitoral à Prefeitura de São Paulo. Ao mesmo tempo, esse cenário de poucas propostas e muitos ataques fez disparar a audiência dos meios de comunicação.
“A maioria dos candidatos estava disposta a acusar, entrar no âmbito pessoal e substituir nomes por apelidos. Se não há regras, vira uma bagunça”, afirma Toledo.
Ela diz que a transmissão da Gazeta ocorreu após muita negociação dos candidatos, que teriam de concordar com um regulamento mais rígido. Antes, o debate da revista Veja, no dia 19 de agosto, havia sido esvaziado, com as ausências de Datena, Guilherme Boulos (PSOL) e Ricardo Nunes (MDB).
Dados do Kantar Ibope mostram que a Gazeta teve picos de 2,5 pontos, tendo a quarta melhor audiência da faixa de horário. No mês anterior, a Gazeta atingiu média de 0,1 ponto naquele horário. Em São Paulo, cada ponto equivale a 73 mil domicílios.
A transmissão da Veja no YouTube somou 752 mil visualizações, número bem maior do que o total alcançado há quatro anos (135 mil). Já a Band, primeiro canal a reunir os candidatos em estúdio, em agosto, marcou 3,4 pontos contra os 2,9 pontos atingidos em 2020. A média da emissora no horário é de 1 ponto.
O aumento da audiência não significa que a população aprove o comportamento dos políticos, defende Fernando Mitre, diretor de jornalismo da Band.
“O debate vale quando é revelador, porque o objetivo é oferecer uma possibilidade de comparação à sociedade”, diz ele, autor do livro “Debate na Veia – nos Bastidores da TV: A Democracia no Centro do Jogo”.
“Tudo sempre depende da estrutura montada e dos atores, que darão o tom das discussões.”
Ao todo, já foram realizados quatro debates. Antes do primeiro turno, estão previstos mais seis encontros entre os candidatos.
Marqueteiros que trabalham em campanhas na disputa à Prefeitura de São Paulo avaliam que o embate televisivo já não é um meio em que os telespectadores buscam entender propostas. Não por acaso, Marçal, mesmo sem provas, acusa Boulos de usar cocaína. Na Band, chegou a pôr o dedo no nariz, indicando o consumo da droga. A Folha mostrou que o influenciador tem usado um réu homônimo ao candidato do PSOL para pressioná-lo sobre o tema.
Esse embate se acirraria no evento promovido pelo jornal O Estado de S. Paulo. Fora das câmeras, Marçal mostrou uma carteira de trabalho ao seu adversário, que tentava recuperar o documento de suas mãos.
A retórica tampouco tem se esmerado no respeito. “Quando a gente olha para o seu redor, a gente vê, na verdade, a equipe do Doria, até a calça está mais apertadinha”, disse Tabata Amaral (PSB) sobre o influenciador.
O candidato do PRTB é um fator de desequilíbrio para o decoro. “Ele veio desestruturar toda a prática política que se tinha, o respeito que se havia em um debate”, afirma Vera Chaia, professora de ciências sociais da PUC-SP. “Havia críticas, mas não agressão sem controle da linguagem.”
Ela lembra que, durante a ditadura militar, os brasileiros ficaram sem ver debates. A experiência voltou, em 1982, com a eleição direta para governador. Em 1989, a liberdade se consolidaria, na eleição presidencial. Chaia diz que as discussões entre Lula e Leonel Brizola eram propositivas e que as acusações não se convertiam em xingamentos. Pouco a pouco, o sistema político se institucionalizou no país, ocasionando debates com regras mais rígidas.
As eleições mais recentes, porém, trouxeram à cena personagens antes desconhecidos. Há dois anos, o debate entre os candidatos à Presidência da República teve bate-boca entre a senadora Soraya Thronicke (então no União Brasil) e Padre Kelmon (então no PTB). Na Globo, Thronicke chamou o candidato de “padre de festa junina”. Quatro anos antes, em 2018, Cabo Daciolo (à época no Patriota) desequilibrava a etiqueta, com suas intervenções que se assemelhavam a pregações de pastores evangélicos.
O atual nível dos debates, segundo Paulo Ramirez, professor da Escola de Sociologia da ESPM, reflete um quadro de falência da política institucional.
“Eles estão mais próximos de um reality show do que de uma discussão política”, diz ele. “Não há mais uma diferenciação entre o agente político e a pessoa.” No passado, conta Ramirez, havia um pacto de racionalidade: figuras excêntricas ficavam em partidos menores, sem grande expressão.
A internet romperia o pacto, quebrando o monopólio da comunicação partidária. A era digital é regida pelo personalismo e pelas emoções, uma tendência do brasileiro.
Ramirez cita o conceito de cordialidade, desenvolvido pelo autor Sérgio Buarque Holanda, para defender a tese de que o voto da sociedade brasileira é definido mais pela emoção do que pelas propostas institucionais. “Não se trata de uma questão de projeto, mas de performance”, diz.
“O discurso de ódio virou lucrativo, e o resultado disso é um debate de quinta série.”
Para o especialista, as emissoras devem agir para que as regras sejam mais rigorosas e que figuras excêntricas sejam barradas. “Essa demanda tem de partir da sociedade civil, mas nós crescemos vendo pessoas seminuas na TV, em pleno domingo à tarde”, afirma.
GUSTAVO ZEITEL E ISABELLA MENON / Folhapress