Decisão do STF não encerra assédio judicial a jornalistas, mas dificulta, diz advogada

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que declarou o assédio judicial a jornalistas inconstitucional não acaba com a prática, mas deve dificultá-la muito, avalia a advogada Taís Gasparian.

Representante da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) no caso julgado nesta quarta-feira (22) e advogada da Folha de S.Paulo, ela atuou em episódio paradigmático do tema de julgamento do tribunal após reportagem publicada em 2007 no jornal.

O texto, de autoria da jornalista Elvira Lobato, repórter da Folha de S.Paulo por 27 anos, detalhava o patrimônio empresarial de dirigentes da Igreja Universal do Reino de Deus.

Em reação a ele, fiéis e pastores moveram mais de uma centena de ações contra a repórter e contra o jornal, em locais diferentes, com a alegação de danos morais.

As ações não contestavam as informações contidas no texto e tinham trechos muito semelhantes.

No ano seguinte, Elvira ganhou o Prêmio Esso de jornalismo pela reportagem. A Folha de S.Paulo também venceu as 103 ações, que exigiram uma mobilização inédita para a defesa, que Gasparian detalha em entrevista.

O episódio consagrou o uso da expressão assédio judicial contra jornalistas, cunhada pela advogada, prática que não cessou. Com a decisão judicial, o Supremo dá mais um passo para combatê-lo, diz.

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PERGUNTA – Qual é o significado dessa decisão para o jornalismo?

TAÍS GASPARIAN – É importantíssima. Ela reitera a posição do Supremo Tribunal Federal em sucessivas decisões ao longo dos últimos 20 anos em prol da liberdade de expressão. E ganha ainda mais importância porque o tribunal, com uma formação que mudou bastante nos últimos anos, reitera a primazia da liberdade de expressão sobre outros direitos fundamentais. Com relação ao assédio judicial especificamente, a decisão do Supremo não acaba com essa prática, mas dificulta muitíssimo a existência dela.

P – Por que dificulta?

TG – Porque o assédio judicial se dá principalmente por meio do Juizado Especial Cível, com os autores propondo as ações no seu próprio domicílio, contrariando a regra geral do Código de Processo Civil, que determina que as ações são propostas em regra no domicílio do réu. Ao acolher essa ADI [Ação Direta de Inconstitucionalidade] da Abraji, a decisão determina que, quando se configurar a prática de assédio judicial, a ação deve ser imediatamente remetida para o foro do domicílio do réu. Bastará uma decisão para acabar. Não vai ser como aconteceu com a Elvira Lobato, que teve que viajar o Brasil todo para se defender dos processos.

P – O que a levou a usar a expressão assédio judicial contra jornalistas?

TG – A expressão recebeu muitas críticas, algumas delas do Poder Judiciário. Queriam tirar a palavra judicial para chamar de assédio processual. Defendi muitas vezes, e muitas pessoas se somaram nessa defesa, que a palavra judicial tinha necessariamente que estar na expressão, porque era por intermédio do Judiciário que era feito o assédio. Era no quintal da magistratura. Sem contar que muitas vezes são os próprios magistrados ou outras figuras do Poder Judiciário que acabam protagonizando esse assédio judicial.

P – No caso da Elvira Lobato, quando ficou claro que havia um assédio judicial?

TG – No começo, nós não tínhamos noção do que estava acontecendo, mas aí começaram a chegar as ações e o quadro foi ficando mais claro. Primeiro chegaram três, depois quatro, aí um dia chegaram dez, e depois de dois meses e pouco já havia 90 ações —foram 103 ao todo, ganhamos todas.

P – E como foi enfrentar essa enxurrada de ações?

TG – Começamos a fazer planilhas e tivemos que contratar advogados para conseguir dar conta da locomoção, até porque foi justamente naquela época que teve o apagão aéreo. Ficou muito complicado viajar. A Elvira também teve que se deslocar para muitas audiências, porque, se não fosse, seria considerada revel [quando o réu é comunicado do processo e não se defende] e todas as alegações do processo seriam tidas como verdadeiras. Foi um caos. Os processos eram movidos em cidades a longas distâncias das capitais dos estados, então era preciso pegar avião e depois seguir por mais horas de viagem de carro. Houve lugares a que a equipe jurídica só conseguia chegar de barco.

P – Vencido esse desafio, quais são os outros atualmente em relação à liberdade de imprensa?

TG – Eu acho que o próximo desafio é a descriminalização das ofensas contra a honra. É necessário que elas sejam retiradas da área criminal e passem a ser tratadas apenas na esfera civil. Não tem cabimento um jornalista ser processado criminalmente sob a alegação de ter ofendido a honra de alguém. E muitos ainda são, não só processados, como condenados e às vezes com mandado de prisão expedido.

ANGELA PINHO / Folhapress

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