SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A decisão do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, sobre o cumprimento das diretrizes do Ministério da Justiça para as câmeras corporais na Polícia Militar pelo governo de São Paulo despertou um novo debate entre instâncias federais e estaduais sobre a aplicação do texto.
Barroso entendeu que, a princípio, não há motivos para barrar o novo edital de compra das novas câmeras em São Paulo, mesmo ele que tenha acabado com a modalidade de gravação ininterrupta. Por outro lado, determinou que o governo paulista apresente um relatório que avalie a efetividade das novas câmeras corporais na PM seis meses após o início do uso.
O ministério, conforme noticiado pela coluna Mônica Bergamo, diz que na prática a única forma de cumprir as normas é gravar todo o turno policial. O texto da portaria não usa a palavra “ininterrupta”, mas estabelece 16 situações em que o equipamento deve ser acionado, inclusive “no patrulhamento preventivo e ostensivo ou na execução de diligências de rotina em que ocorram ou possam ocorrer prisões, atos de violência, lesões corporais ou mortes”.
À coluna, o secretário-executivo adjunto do ministério, Marivaldo de Castro Pereira, afirmou que “só existe uma forma de o governo de São Paulo cumprir a determinação do Supremo Tribunal Federal [STF], que ordenou que ele siga as nossas normas para o uso do equipamento: com a gravação ininterrupta”.
O entendimento do governo federal e de especialistas é que as gravações comecem assim que o policial deixar o batalhão, e só ser interrompida em situações íntimas, quando vai ao banheiro ou está se alimentando -exceções que as regras atuais da PM já preveem.
A gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) diz que as novas câmeras da PM paulista vão cumprir essas diretrizes mesmo com o fim do “modo rotina”, que grava ininterruptamente em baixa qualidade sem que nenhum botão seja acionado. O governo paulista disse ao STF que poderia fazer o acionamento das câmeras automaticamente, se o equipamento detectar som de “estampido de tiros” ou se aproximar da área de uma ocorrência, por exemplo.
Barroso entendeu que, formalmente, essa promessa está alinhada com as normas do governo Lula. Enquanto isso, especialistas duvidam que as câmeras terão capacidade técnica para cumprir o prometido.
O acionamento automático da câmera –por inteligência artificial, geolocalização ou pelo ruído de tiro– não está previsto no edital de compra dos equipamentos. O documento não contém nenhuma descrição de ligamento da câmera sem intervenção humana. Da mesma forma, no edital não há os termos “estampido”, “ruído” ou “tiros”, usado pelo governo Tarcísio para descrever essa funcionalidade ao STF.
Segundo o pesquisador Daniel Edler, do NEV (Núcleo de Estudos da Violência) da USP, não há garantia de que essa funcionalidade possa realmente ser concretizada. No mínimo, seria necessário fazer um aditamento ao contrato para exigí-la.
As regras do edital dizem que caberá ao policial ligar a câmera para que a gravação tenha início. Uma central também poderá fazer o acionamento caso se perceba que o agente na rua descumpriu o protocolo e não ligou o equipamento.
“O edital de contratação não prevê esse acionamento automático”, diz Edler. “Tem uma contradição aí. Eles dizem que vão identificar disparo de tiro e ligar automaticamente. Para isso, precisaria de processamento [de inteligência artificial] em todas as câmeras, o tempo todo. O consumo de banda de internet para isso seria enorme. Do jeito que está [o edital] hoje, isso não vai acontecer.”
Outro problema é que o edital, apesar de exigir que as imagens sejam processadas em softwares de inteligência artificial, deixa em aberto a possibilidade de isso ser feito quando o turno policial já acabou e as câmeras estão nas bases. Nesse caso, essa tecnologia não seria usada para acionamento automático da gravação, e sim para análise posterior das imagens.
No processo do STF, a Defensoria Pública estadual tem argumentado que o edital das novas câmeras não cumpre as normas federais. “Se vai funcionar ou não, é um exercício de futurologia. Mas tudo indica que o que estão propondo é pouco factível”, diz a coordenadora do núcleo especializado em Direitos Humanos e Cidadania do órgão, defensora Fernanda Balera.
A Defensoria referendou suas posições com notas técnicas do NEV, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da UFF (Universidade Federal Fluminense). “Já há vários estudos mostrando que há policiais que não acionam as câmeras, mesmo nas situações determinadas pela PM, e só conseguimos detalhes de algumas ocorrências por causa da gravação ininterrupta.”
O pregão eletrônico para a aquisição das novas câmeras corporais da PM paulista foi vencido pela Motorola. Ele contou com a participação de 14 empresas.
Segundo o governo estadual, o valor da primeira colocada é 30% menor do que o previsto pela PM. A proposta aprovada representa um gasto estimado de R$ 4,3 milhões por mês -54% a menos que os atuais contratos, sob responsabilidade da Axon–, segundo a SSP (Secretaria da Segurança Pública), .
Vencer o pregão, no entanto, não quer dizer que a empresa já está apta a ter seus equipamentos presos aos uniformes dos PMs. Agora, a Motorola Solutions Ltda deve passar por uma série de procedimentos, como apresentação de documentos para habilitação e análise de amostras.
TULIO KRUSE / Folhapress