Decisão do STF sobre imprensa deixa pontos em aberto, dizem especialistas

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que permite a responsabilização civil de veículos de imprensa por entrevistas com indícios de falsidade usa expressões de significado amplo que ainda deixam margem para dúvidas sobre eventuais julgamentos, avaliam especialistas.

Para eles, a definição se dará na análise de casos concretos. Entre os pontos que demandarão maior esclarecimento está o que é o dever de cuidado que o veículo precisa ter, conforme citado pelo Supremo, e como serão tratadas circunstâncias como entrevistas ao vivo.

O tribunal aprovou nesta quarta-feira (29) tese que prevê responsabilização civil e eventual remoção de conteúdo por “informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais”.

A responsabilização da empresa jornalística caberia em duas circunstâncias concomitantes: se, na época da divulgação, “havia indícios concretos da falsidade da imputação” e se “o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios”.

Para o advogado Victor Lehaly, pesquisador do Pleb – Grupo de Pesquisa sobre Liberdade de Expressão no Brasil da PUC-Rio, a tese não vai resolver todos os casos justamente pela falta de definição precisa do que seria dever de cuidado e do que seriam “indícios concretos de falsidade”.

Na prática, não fica clara qual é a extensão da verificação dos fatos esperada da imprensa –se bastaria buscar ouvir o ofendido, por exemplo, ou se seria cobrada uma checagem mais minuciosa.

Para Leroy, essa característica da tese fixada pelo STF pode tanto ser considerada negativa para a liberdade de expressão, por eventualmente incentivar uma autocensura, como positiva, ao criar balizas mais concretas, que podem inclusive ser usadas na defesa dos veículos.

O caso das entrevistas ao vivo é um que fica em aberto, na sua avaliação, embora ele entenda que não caberia responsabilização nesses casos. “Me parece que não tem como exigir dever de diligência em tempo real”, diz.

Já o advogado Alexandre Fidalgo diz entender que a decisão ameaça a liberdade de expressão e vai na direção contrária de outras do próprio Supremo, como a que derrubou a Lei de Imprensa editada durante a ditadura militar.

Ele argumenta que veículos poderiam correr risco de punição em casos como o da entrevista à revista Veja em que Pedro Collor fez denúncias contra seu irmão Fernando Collor –e que impulsionaram o impeachment do então presidente. Assim como na entrevista à Folha de S.Paulo em que o então deputado Roberto Jefferson revelou a existência do mensalão no primeiro mandato de Lula (PT).

“O pressuposto da atividade de imprensa é a informação verdadeira no aspecto da verossimilhança, ou seja, da existência de indícios suficientes para que se publique”, diz. “A imprensa nem tem poder de investigar.”

Já o advogado André Perecmanis considera que a decisão do Supremo vai na direção correta e segue outras do tribunal segundo as quais a liberdade de expressão, como qualquer direito, não é absoluta. “A imprensa não é polícia nem Ministério Público, não tem obrigação de investigar, mas se distingue do cidadão comum. Tem possibilidade de apurar fatos”, diz.

Ele também considera que o dever de cuidado citado na tese do STF é um conceito jurídico aberto a interpretações. Segundo o advogado, pelo entendimento mais aceito, ele abrangerá o uso dos meios mais comuns de pesquisa e investigação jornalísticos, como checagem e cruzamento da informação com diferentes fontes.

Nesse caso, em sua avaliação, casos como os da entrevista de Pedro Collor e Roberto Jefferson poderiam ficar protegidos mesmo se a tese estivesse em vigor. O mesmo se daria no caso de entrevistas ao vivo, em que não é possível uma checagem prévia do que será dito.

A decisão do STF trata apenas da responsabilização civil. Perecmanis avalia que eventual punição no âmbito criminal recairia apenas sobre o jornalista, e não sobre a empresa, mas a condenação demandaria mais elementos.

Teria que ficar provado, diz ele, que o profissional queria ofender o autor da ação ou deixou que isso acontecesse mesmo sabendo que os fatos imputados eram inverídicos.

ANGELA PINHO / Folhapress

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