SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A decisão do TCU (Tribunal de Contas da União) que permite que autoridades deixem em sigilo informações sobre voos em aviões da FAB (Força Aérea Brasileira) é frágil e tem origem em interpretação alargada da LAI (Lei de Acesso à Informação), afirmam especialistas ouvidos pela reportagem.
Para eles, a decisão é um retrocesso que impacta a possibilidade de escrutínio sobre dados públicos e enfraquece a legislação que busca garantir maior transparência a ações estatais.
Na terça-feira (30), o TCU autorizou o sigilo de voos realizados pela Força Aérea em caso de altas autoridades. A corte de contas argumentou que a divulgação das informações poderia prejudicar a segurança dos agentes públicos, apontando que a LAI determina serem passíveis de sigilo “as informações cuja divulgação ou acesso irrestrito possam pôr em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares”.
Entrariam na classificação agentes públicos como os presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado, do STF (Supremo Tribunal Federal) e o vice-presidente da República.
Para Marina Atoji, diretora de programas da ONG Transparência Brasil, o argumento do TCU é falho e incompleto. Ela afirma que a probabilidade de divulgação dessas informações gerar riscos às autoridades é improvável, principalmente quando ocorrer posteriormente aos voos.
Ao mesmo tempo, ter acesso aos dados é fundamental para que a sociedade possa verificar se as viagens são realizadas em condições compatíveis com o interesse público.
“Um tribunal de contas abrir a possibilidade de classificar essas informações como sigilo é uma subversão da lógica da Lei de Acesso à Informação”, afirma.
Segundo Atoji, a imposição do sigilo deve ser feita caso a caso e apenas se houver eventual possibilidade de risco concreto, não da maneira genérica como discutiu o tribunal.
Para Gregory Michener, professor da FGV e coordenador do Programa de Transparência Pública da instituição, o episódio envolvendo o TCU exemplifica momento no qual vê se no país o “aumento de questionáveis incidentes que poderiam sugerir problemas de conflito de interesse” entre autoridades, como a falta de transparência em viagem recente de ministros do STF à Europa.
Segundo ele, as instituições precisam especificar melhor que regras justificariam o uso do argumento de segurança de autoridades, que pode ser usado de maneira ampla e indevida em alguns casos.
“Se tudo fica sob sigilo, abrem-se mais margens para conflitos de interesse. Autoridades poderiam usar jatos de FAB para razões menos republicanas”, afirma.
O resultado, afirma ele, é a maior chance de ocorrerem abusos com recursos públicos e de haver prejuízo para a transparência pública.
Marco Antonio Ferreira Macedo, professor do departamento de direito público da UFF (Universidade Federal Fluminense), afirma que a decisão do tribunal vai de encontro à tendência geral do Estado democrático de Direito de lidar com o sigilo como exceção.
Segundo ele, tanto a ideia de publicidade quanto a de accountability presentes na legislação brasileira apontam para a transparência como regra.
“Ao fim e ao cabo, no Estado democrático de Direito, não existe atuação pública de agente de Estado que esteja na opacidade e que não possa ser objeto de controle”, afirma.
De acordo com Bruno Morassutti, diretor na Fiquem Sabendo, agência de dados especializada em LAI, e membro do Conselho de Transparência Pública da Controladoria-Geral da União, muitos agentes públicos utilizam, na prática, argumentos de supostos riscos à segurança de forma pouco fundamentada e generalizada para tentar burlar a lei de acesso à transparência.
Segundo ele, a decisão do TCU pode ser interpretada como porta de entrada para abusos na interpretação da lei com o objetivo de reduzir a transparência.
Ele afirma que a utilização de aviões da FAB é sempre acompanhada de aparatos adicionais de segurança e que a justificativa citada pelo tribunal parece não se sustentar.
Para os especialistas, a decisão pode contribuir para o enfraquecimento da LAI, já combalida nos últimos anos e alvo de várias frentes, uma vez que parte das autoridades resistem a tornar mais transparentes suas ações.
ANA GABRIELA OLIVEIRA LIMA / Folhapress