SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O uso de deepfakes no contexto eleitoral se tornou ponto de controvérsia na Justiça Eleitoral neste ano e deve se manter como um desafio para as eleições de 2026.
Relatório elaborado por pesquisadores do IDP e Mackenzie mostra que os tribunais têm enfrentando dificuldades para estabelecer um entendimento comum sobre o tema.
Há interpretações variadas ao menos em relação à caracterização da tecnologia, à qualificação dela como conteúdo eleitoral e à necessidade de se demonstrar o potencial de dano.
O estudo compreende 57 julgados dos TREs (Tribunais Regionais Eleitorais), mas somente 56 deles foram efetivamente analisados, porque um dos processos corre em segredo de Justiça.
O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) proibiu no início do ano o uso na propaganda eleitoral de deepfakes -vídeos, fotos e áudios criados ou manipulados por meio de inteligência artificial.
O recorte considerou a utilização dos termos “deepfake(s)” e “deep fake(s)” em decisões proferidas desde a vigência da nova regra do TSE até 19 de setembro de 2024.
Os pesquisadores dividiram os casos em três categorias principais para refletir os entendimentos diversos dos magistrados sobre a tecnologia de inteligência artificial.
A primeira é a permissão condicionada. Julgados dessa linha sugerem que o uso de conteúdo sem conotação eleitoral ou propósito de manipulação não se enquadra na proibição fixada pelo TSE.
A pesquisa identificou que, em cerca de 25% dos casos analisados, a Justiça especializada entendeu que o assunto não deveria ser enquadrado com o conteúdo eleitoral.
O dado sinaliza a ampliação do conceito “indiferente eleitoral”, referente a manifestações sem conexão com as eleições, portanto fora da alçada desse ramo do Judiciário, diz o estudo.
Houve, por outro lado, decisões em que não se admitiu o uso de deepfakes quando associado à propagação de informações falsas que possam arriscar a integridade do processo eleitoral.
Essa abordagem se baseia no contexto e no grau de manipulação. Sátiras e conteúdos sem distorções têm tratamento mais flexível. Informações falsas ou descontextualizadas são condenadas.
Uma terceira vertente, mais restritiva, estabelece como regra a proibição total da utilização da tecnologia tanto nas campanhas eleitorais como no período de pré-campanha.
A Folha de S.Paulo já havia adiantado que tribunais do país vinham considerando o nível de sofisticação e a capacidade de o conteúdo enganar o eleitor para a caracterização de deepfakes.
“Foi-se visualizando uma certa falta de harmonia”, diz a professora e pesquisadora de direito eleitoral digital Stefani Vogel, uma das autoras do estudo.
“Ficou clara uma dificuldade dos tribunais em dar contorno a esse termo que é deepfake e entender como aplicar essa vedação, chegar a uma espécie de consenso em relação a isso.”
Os pesquisadores concluem haver lacunas na delimitação do conceito e que, sem critérios sólidos e objetivos, a jurisprudência trata o assunto de forma fragmentada.
Segundo o estudo, “essa tecnologia tem sido um ponto de controvérsia e se mantém como um grande desafio” no controle de ilícitos capazes de impactar o processo eleitoral.
Vogel diz que esse fenômeno não se exauriu nestas eleições e que existe um temor em relação ao uso de deepfakes nos pleitos majoritários de 2026.
“Se não tivermos isso em mente e não construirmos, de fato, um conceito em torno desta tecnologia, corremos o risco de injustiças”, diz. “Esse é o risco principal.”
ARTHUR GUIMARÃES DE OLIVEIRA / Folhapress