BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Indicado em maio pelo presidente Lula (PT) para o comando da Defensoria Pública da União, Igor Roque ainda aguarda a aprovação do Senado para assumir o cargo, em meio a uma tentativa de senadores bolsonaristas de barrarem o seu nome.
O presidente optou por escolher Roque para o cargo de defensor público-geral federal em vez de manter o nome selecionado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em novembro passado, Daniel Macedo.
Roque foi sabatinado e aprovado pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado em julho e diz em entrevista que agora tenta conversar com os senadores que ainda tenham alguma resistência contra ele.
Caso aprovado, diz que irá dialogar com o governo para propor soluções administrativas para evitar ações judiciais contra a União, mas acrescenta que a Defensoria não será subserviente ao governo.
Uma das tarefas de defensores será representar parte dos acusados dos ataques golpistas de 8 de janeiro. Roque critica o que ocorreu na ocasião, mas afirma que a Defensoria “não vai virar um órgão de acusação nem vai fazer uma defesa de corpo mole simplesmente em virtude da gravidade do fato”.
Abaixo, em tópicos, as suas declarações em entrevista.
Demora na aprovação
O que está acontecendo no Senado é falta de quórum. É natural que exista resistência por uma parcela da oposição. A gente compreende, sabe que isso faz parte da política. Na nossa situação, por envolver essa é questão de mudança de governo, de retirada de nome [do indicado por Bolsonaro], é natural que exista esse tipo de resistência.
A gente tem conversado com os senadores e senadoras que estão com algum tipo de resistência, e alguns deles se mostram mais abertos, outros mais fechados, mas o compromisso nosso à frente da instituição, se for da vontade do Senado, é de estar aberto ao diálogo e de seguir conversando.
Pautas em comum com Lula
A criação de ministérios como o dos Povos Indígenas é uma pauta da Defensoria. Uma das preocupações levantadas pelo presidente Lula foi a questão carcerária, uma pauta que é sensível para a Defensoria. Eu levei a ele a preocupação com esse encarceramento em massa. A gente precisa se questionar se essa política está cumprindo o papel a que se propõe.
A Defensoria quer contribuir com essa discussão, para além de outros aspectos: a questão do racismo, da descredibilização dos direitos humanos, pautas voltadas para a educação –Prouni, Fies– são afeitas à Defensoria. A gente tem uma atuação também muito forte com relação à população em situação de rua, e isso é uma preocupação também do presidente Lula.
Independência para acionar o governo
É óbvio que a gente pensa e vai estreitar o diálogo [com o governo] com o objetivo de prestar o nosso serviço de maneira mais efetiva, eficiente, porque a gente entende que uma solução administrativa é muito mais eficaz e rápida do que uma solução judicial. Mas, obviamente, sempre que eu dialogava com as pessoas de dentro do governo, eu deixava muito claro: eu vou dialogar, mas não esperem uma Defensoria subserviente, tacanha, sem cumprir o seu papel institucional. A judicialização permanece como opção, mas a gente vai priorizar soluções administrativas, porque elas são mais rápidas e mais eficientes.
Defesa de envolvidos nos atos golpistas
É missão da Defensoria promover e buscar o respeito dos direitos básicos de qualquer cidadão que está respondendo a processo criminal –como a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal. Isso independentemente do crime que tenha sido praticado.
Na minha sabatina no Senado eu disse isso e repito: não é uma contradição a gente repudiar a prática daqueles atos, que eu repudio de maneira veemente, mas a gente tem a missão de defender aquelas pessoas.
As pessoas estavam atacando o Estado Democrático de Direito, mas esse mesmo Estado Democrático de Direito precisa garantir o direito dessas pessoas. Eu acho que a melhor resposta que o Estado brasileiro pode dar é justamente garantir o direito dessas pessoas de defesa. A gente não vai virar um órgão de acusação nem vai fazer uma defesa de corpo mole simplesmente em virtude da gravidade do fato. Longe disso.
Pressa do Supremo em julgar suspeitos em 8/1
Essa postura adotada pelo Supremo, pelo ministro Alexandre de Moraes, vem em resposta ao próprio anseio da sociedade, pela gravidade dos atos que foram praticados em 8 de janeiro. Eu, pessoalmente, não estou envolvido ainda nesse julgamento.
A atuação da Defensoria Pública da União no Supremo é privativa do defensor-geral e a gente, em virtude disso, tem uma assessoria composta aqui por oito colegas. Ainda não estou a par dos detalhes do que está acontecendo em virtude desse momento de transição que a gente está adotando na Defensoria.
Tenho uma preocupação com a repercussão desses julgamentos, no que diz respeito a uma eventual formação de jurisprudência no nosso sistema de Justiça.
A gente entende que o processo criminal necessariamente precisa ser um pouco demorado para que se construa uma opinião real, para que se proporcione uma efetiva defesa às pessoas que estão envolvidas. A nossa preocupação é de que um eventual comportamento atípico do Supremo nessas ações reflita na nas ações na base. Na primeira instância da Justiça Federal, nas Justiça estaduais.
Se eventualmente a gente identificar ou entender que há algum tipo de excesso, a gente vai adotar as medidas processuais cabíveis.
Alinhamento do defensor anterior com Bolsonaro
Eu não diria que houve alinhamento, mas acho que também na gestão anterior se buscou fortalecer esse diálogo institucional da Defensoria com o Executivo, Judiciário e Legislativo. Acho que quando a gente adota esse comportamento de estar disposto ao diálogo, de estar disposto a construir, você termina gerando uma simpatia do próprio Executivo. Não acho que tenha havido um alinhamento da administração anterior com o governo do ex-presidente da República. Eu acho que se estreitou essa relação em virtude do diálogo.
RAIO-X
Igor Roque, 38
Foi presidente da Anadef (Associação Nacional de Defensoras e Defensores Públicos Federais) entre 2017 e 2019 e é hoje defensor-público-geral federal. Formado pela Universidade Católica de Pernambuco, foi procurador federal antes de ingressar na Defensoria Pública da União, em 2013, e é professor do IDP (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Pesquisa).
THAÍSA OLIVEIRA E JOSÉ MARQUES / Folhapress