Defesa aérea impede 82% dos ataques da Rússia, diz Ucrânia

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em um ano de renovada campanha aérea da Rússia contra a Ucrânia, baseada em ataques de longa distância com drones, mísseis de cruzeiro e balísticos, as defesas aéreas de Kiev foram efetivas em 82% dos 3.967 casos registrados.

É o que mostra compilação de dados do Ministério da Defesa ucraniano pelo pesquisador Fabian Hoffmann, do Departamento de Ciência Política da Universidade de Oslo (Noruega), compreendendo o período de 1º outubro de 2022 a 30 de setembro deste ano.

Antes de tudo, as ressalvas. São dados tabulados pelos militares ucranianos, então pode haver distorções inerentes à propaganda da guerra. Há também subnotificação possível, apontada pelo próprio Hoffmann.

Mas, segundo analistas militares russos consultados pela reportagem, os números batem com a tendência apontada nas discussões em círculos militares de Moscou. Servem como guia, e trazem diversas revelações.

A mais importante diz respeito à eficácia da defesa aérea ucraniana, que, mesmo alta, não impede os extensos danos e mortes causados pelos russos. O país tinha uma rede extensa de material soviético, com 403 baterias, já que era a ponta de lança do império comunista dissolvido em 1991 na Europa, juntamente com Belarus e os Estados Bálticos.

Desde a invasão de 2022, que anulou parte dessa capacidade porque Moscou sabia onde atacar, o país recebeu uma série de sistemas ocidentais avançados, como os americanos Patriot e os alemães Iris-T. Isso mudou o cenário ao longo do ano, que viu também uma alteração tática russa.

A Força Aérea de Vladimir Putin limitou o emprego de aeronaves sobre áreas contestadas da Ucrânia, para evitar perdas, que já somam ao menos 92 dos 1.391 aviões de combate de sua frota pré-guerra, segundo o site holandês de monitoramento Oryx.

A partir de outubro, Moscou recrudesceu sua campanha com mísseis de longa distância, disparados de aviões em seu espaço aéreo e de seu território, e drones. O alvo era a infraestrutura energética de Kiev durante os meses mais frios do ano, visando a moral da população. Aí que começa o trabalho de Hoffmann, que aponta uma média de 10,8 ataques com esses sistemas por dia até o fim de setembro.

Ele mostra claramente o que o noticiário indicava: uma campanha intensa no fim do ano, com um pequeno respiro entre janeiro e abril, voltando a ganhar tração em maio. Analistas afirmam que isso acompanha o aumento no ritmo russo de produção de algumas armas modernas específicas, como mísseis de cruzeiro Kalibr.

Com efeito, setembro foi o mês de maior atividade desde então, com 598 ataques. Aqui, salta aos olhos a escalada no emprego dos drones de origem iraniana Shahed-136 comprados por Putin: 503 ataques, de longe o maior número nessa série.

Isso mostra a ampliação da tática de usar ondas dos modelos, que a um custo estimado de até R$ 100 mil por unidade, são bem mais baratos do que por exemplo um Kalibr de R$ 6,5 milhões. Os russos primeiro enviam os drones suicidas para ocupar as defesas aéreas, fazendo ataques subsequentes com mísseis mais poderosos.

Assim, drones responderam por 56,1% das ações, sendo interceptados em 87,2% dos casos. A baixa velocidade dos modelos movidos a hélice facilita seu abate, mas os destroços causam danos também. Mísseis de cruzeiro identificados somaram 42,1% dos ataques, com 76,5% de interceptação.

Já mísseis balísticos, sejam os lançados por sistemas Iskander do solo ou o badalado hipersônico Kinjal, lançado de caças MiG-31K, foram responsáveis apenas por 1,7% dos ataques —com 41,8% deles sendo derrubados. A Ucrânia diz ter derrubado 14 de 31 Kinjal, uma das “armas invencíveis” anunciadas em 2018 por Putin, uma conta que Moscou nega.

O modelo mais usado pelos russos é o míssil de cruzeiro subsônico soviético da família Kh-101, uma arma cara (R$ 13 milhões em versões modernas), com 740 lançamentos e 487 abates. O Kalibr, um dos símbolos da invasão ao serem lançados de navios no mar Negro, somou 337 unidades, 224 abatidas segundo Kiev.

Mas os mais eficazes de todos até aqui são os sistemas supersônicos russos. Nenhum dos 71 mísseis de cruzeiro Kh-22 foi interceptado, e apenas 2 de 20 modelos Oniks, disparados da costa da Crimeia, foram. “A Ucrânia não tem como se defender contra eles”, afirma o autor.

“[Os dados] desafiam diretamente uma parte significativa do discurso pré-guerra sobre defesa antiaérea, que argumentava que ela seria ineficaz, especialmente quando enfrentando ataques de larga escala e complexidade”, escreveu Hoffmann.

Nos céus ucranianos, a ação prossegue, dando sinais de que haverá mesmo uma nova campanha russa com a redução das atividades em solo devido ao tempo, o que é uma má notícia para a contraofensiva de Volodimir Zelenski.

O país diz ter abatido 29 de 31 drones lançados, e 1 de 5 mísseis empregados nesta noite de quarta (4). Em entrevista à rede italiana SkyTg24, Zelenski afirmou que “há fadiga, mas vamos fazer tudo para vencer nosso inimigo”. Ele minimizou novamente os riscos de uma diminuição do apoio do Ocidente, particularmente dos EUA que debatem no Congresso a manutenção da ajuda militar à Ucrânia.

De seu lado, embora não haja números para uma comparação, Kiev também tem escalado o emprego de mísseis e drones. Nesta quarta, o serviço secreto do país afirmou ter destruído um avançado sistema antiáereo S-400 dentro da Rússia, na região de Belgorodo, com drones de longa distância.

Ainda não há comprovação disso. Os russos apenas falaram ter abatido 31 aviões-robôs naquela área e nas vizinhas Kursk e Briansk.

Além disso, Kiev tem a seu dispor agora um número limitado de mísseis de cruzeiro furtivos, os gêmeos Storm Shadow britânico e Scalp-EG francês, e adaptou seu modelo antinavio Netuno contra alvos terrestres. São forças consideráveis para ações pontuais, como os ataques contra os navios da Frota do Mar Negro em Sebastopol (Crimeia anexada), mas não se comparam em volume ao poder de fogo russo.

Daí o pedido de Zelenski em reunião com chanceleres da União Europeia em Kiev, na segunda (2), para priorizar as defesas aéreas da Ucrânia. Na terça (3), a Otan [aliança militar ocidental] afirmou por sua vez que a munição para artilharia solo-solo disponível em seus membros para a Ucrânia está no fim. Trata-se da principal arma em uma guerra de atrito como a atual.

IGOR GIELOW / Folhapress

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