BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Ministério da Defesa sugeriu ao Palácio do Planalto driblar o Congresso Nacional na aprovação dos três principais documentos que definem diretrizes para as Forças Armadas e a defesa nacional.
A Política Nacional de Defesa, a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa Nacional são enviados ao Congresso como projeto de lei, para discussão e aprovação nas Casas.
Historicamente, os congressistas demoram cerca de três anos para aprovar as diretrizes da Defesa. Para contornar a falta de prioridade do Congresso no assunto, a pasta liderada por José Múcio Monteiro sugeriu publicar os documentos em um decreto presidencial.
A Casa Civil do governo Lula (PT) foi contra a medida. A pasta argumentou que a manobra poderia alijar o Congresso de seu direito de discutir e aprovar as diretrizes para a defesa do país. A posição do Palácio do Planalto foi vitoriosa.
A proposta do Ministério da Defesa foi apresentada ao Planalto em um documento de seis páginas intitulado “Parecer de Mérito”. No texto, a assessoria militar de Mucio argumenta que não haveria problemas jurídicos se o governo decidisse aprovar os documentos por decreto presidencial.
“É adequada a aprovação das próximas atualizações da PND [Política Nacional de Defesa] e da END [Estratégia Nacional de Defesa] por meio de decreto presidencial, seguida do encaminhamento solene ao Congresso Nacional, para apreciação, entendido este ato como mera ação para conhecimento específico da decisão tomada no âmbito do Poder Executivo e que não condiciona sua existência, validade ou eficácia”, diz o parecer, obtido pela Folha.
A Defesa ainda cita, no documento, que uma das razões para a mudança seria a demora “de dois a quatro anos” para aprovação das diretrizes no Congresso.
“Cada versão da PND e da END enviadas ao Congresso Nacional tem exigido mais tempo para sua apreciação por aquela casa, o que tem acarretado demoras substanciais na aprovação e implementação das edições mais recentes”, diz.
Na versão da Defesa, não é da competência do Congresso aprovar os documentos com as diretrizes para as Forças Armadas. Caberia aos congressistas somente “apreciá-los, apresentando-se sugestões”.
Em nota, o Ministério da Defesa disse que o processo de atualização dos documentos foi “conduzido atendendo a determinação de encaminhamento dos documentos com as devidas atualizações, a cada quatro anos, a partir de 2012”.
A Casa Civil disse que a área técnica da pasta recebeu a sugestão da Defesa e “recomendou que as propostas fossem enviadas para apreciação do Congresso Nacional por meio de mensagem presidencial”.
“Essa recomendação foi acatada pelo Ministério da Defesa”, afirma a nota da pasta.
O Livro Branco, a Política Nacional de Defesa e a Estratégia Nacional de Defesa são documentos públicos que definem as prioridades da defesa nacional, com foco nas atribuições das Forças Armadas. A lei define que haja atualização a cada quatro anos.
Eles servem, em tese, como base para todas as decisões tomadas no âmbito das Forças Armadas. Os planejamentos internos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica são formulados de acordo com as diretrizes estabelecidas nos documentos.
A demora na aprovação dos documentos no Congresso impactam nos planejamentos das Forças.
A última atualização deveria ter sido feita em 2020. O Ministério da Defesa encaminhou os documentos para o Congresso no prazo estabelecido pela lei. O processo moroso na Câmara e no Senado, porém, fez os projetos se arrastarem por quatro anos só foram aprovados em 15 de maio deste ano.
Professor de ciência política da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Lucas Pereira Rezende afirma que a manobra sugerida pela Defesa é “extremamente grave” por várias razões.
“Como qualquer política pública, a defesa precisa ser discutida com a sociedade. E ela não é”, diz Lucas. “Nós estamos falando sobre defesa e não somos ouvidos. Isso é proposital, uma forma de manter uma indevida autonomia dos militares na produção e na condução da política de defesa”.
O professor conta que a Associação Brasileira de Estudos de Defesa, da qual faz parte da diretoria, chegou a ser convidada pelo Ministério da Defesa para participar de uma reunião para discutir o tema. O encontro, porém, foi cancelado.
“Não há transparência na elaboração das políticas de defesa. Isso é muito grave para a nossa democracia porque os militares são, ao mesmo tempo, os que produzem e os que implementam a política sem supervisão da sociedade brasileira”, afirma.
Professora da UFRJ e pesquisadora das Forças Armadas, Adriana Marques diz que o desinteresse do Congresso com os temas de defesa é “característica antiga do Legislativo” pelo tema ser historicamente restrito aos círculos militares.
“Mas a demora do Congresso para aprovar os documentos de defesa não é justificativa para que o debate não seja feito […]. A alternativa é ampliar o debate para a sociedade”, diz Adriana.
“Os documentos de defesa são importantes porque são eles que vão orientar a formulação e a implementação da nossa política de defesa. É essencial que esses documentos não só sejam produzidos a partir de um debate amplo com a sociedade civil, como também sirvam para a supervisão parlamentar das atividades de defesa”, completou.
As discussões sobre os documentos norteadores da defesa nacional ficaram restritos aos círculos militares durante o governo Jair Bolsonaro (PL). O grupo de trabalho responsável pela formulação dos papeis era composto totalmente por membros das Forças Armadas, sem participação de civis.
O movimento foi criticado por especialistas do setor de defesa. O isolamento da sociedade foi visto como um movimento do governo para evitar o controle civil sobre as Forças Armadas.
O ministro José Mucio Monteiro mudou o processo de formulação dos documentos. Incluiu representantes de 14 ministérios no grupo de trabalho que discutiu a atualização da Política Nacional de Defesa.
“O processo de atualização dos documentos contou com ampla participação da sociedade. Fizeram parte o meio acadêmico, centros de estudos em defesa e representantes da Base Industrial de Defesa”, disse a pasta, em nota.
CÉZAR FEITOZA / Folhapress