BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Uma manifestação assinada em agosto do ano passado pela então vice de Augusto Aras na PGR (Procuradoria-Geral da República), Lindôra Araújo, tem sido citada por defesas dos indiciados para dar respaldo legal à tese de que o inquérito das joias deveria tramitar na Justiça Federal de Guarulhos (SP), e não no STF (Supremo Tribunal Federal).
No Supremo, o inquérito das joias, que levou a Polícia Federal a indiciar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais 11 pessoas na última semana, foi enviado para a responsabilidade do ministro Alexandre de Moraes. Isso ocorreu porque foi apontada conexão com o inquérito das milícias digitais, também relatado por ele.
Em manifestação de 16 páginas, ao ser questionada para opinar sobre diligências relacionadas ao caso, Lindôra buscou desconstruir os argumentos que a PF apresentou ao Supremo à época.
Ela diz que a apuração sobre as joias não “ostenta vinculação alguma” com o inquérito das milícias digitais, e que a autoridade policial tenta “justificar a atração da competência do Supremo Tribunal Federal” e da relatoria de Moraes ao caso.
“O encontro fortuito de elementos informativos relacionados a outros fatos supostamente criminosos não, por si só, configura conexão”, diz Lindôra, acrescentando que não há investigado com foro especial no processo para que ele tramite perante o Supremo.
No parecer, Lindôra diz ainda que, como parte das joias foram retidas pela Alfândega da Receita Federal no Aeroporto de Guarulhos e foi aberto um inquérito sobre o tema na localidade, todos os autos deveriam ser enviados para a 6ª Vara Federal da cidade.
Ela disse que “tampouco parece razoável” que um caso sem autoridades com foro especial corra no Supremo, “sem que disso não se vislumbre a assunção do risco de nulidade futura”.
A manifestação de Lindôra foi mencionada pelos advogados de Bolsonaro, Paulo Cunha Bueno e Daniel Tesser, em nota à imprensa nesta segunda-feira (8), após a retirada do sigilo dos autos.
Eles dizem que a investigação não deve ser de competência do Supremo ou de Moraes, e mencionam que é um “aspecto sobre o qual a Procuradoria-Geral da República, já em agosto de 2023, expressamente declinou da competência para a tramitação da apuração, indicando o MM. [meretíssimo] Juízo de 1.ª instância em Guarulhos”.
“Como sói acontecer nos feitos que envolvem o ex-presidente, a apuração permaneceu tramitando na Suprema Corte, ignorando-se a manifestação da PGR”, acrescentou.
Outros advogados que trabalham no caso, além do de Bolsonaro, já vêm citando essa manifestação de Lindôra de forma crítica ao Supremo.
É o caso do advogado Eduardo Kuntz, que defende Marcelo Câmara e de Marcelo Vieira, ex-assessores de Bolsonaro.
Em nota sobre os dois, ele menciona que a Procuradoria-Geral da República já se posicionou sobre a “impertinência e ilegalidade da aludida investigação em razão da flagrante incompetência do Supremo Tribunal Federal para atuar no referido feito”.
Ele também defende Fabio Wajngarten, que também advogou para Bolsonaro. Kuntz afirma que a OAB foi acionada para se manifestar sobre eventuais incongruências no relatório.
Com a mudança na PGR e a troca de Aras por Paulo Gonet no comando do órgão no ano passado, o posicionamento da PGR a respeito do tema pode ser modificado Gonet analisa essa questão.
Lindôra deixou o cargo de vice-PGR, mas continua como uma das subprocuradoras-gerais da República, posto mais alto de carreira no Ministério Público Federal. O atual vice-PGR é Hindenburgo Chateaubriand.
Apesar da manifestação de Lindôra, os investigadores da Polícia Federal em Guarulhos defenderam que o STF decidisse sobre a competência. Em agosto de 2023, os autos foram enviados para o supremo por decisão judicial em Guarulhos, com aval do Ministério Público Federal em São Paulo.
Aras foi indicado em duas ocasiões por Bolsonaro para ocupar a Procuradoria-Geral, e Lindôra, que é considerada o braço direito do ex-procurador-geral, é conhecida pela proximidade com a família Bolsonaro.
Nesta segunda, Moraes retirou o sigilo do caso da venda de joias recebidas de presente pelo governo brasileiro.
O ministro considerou que, com o relatório final do caso apresentado pela PF na semana passada, não há razão para manter o processo sob sigilo. Agora, a PGR terá que pedir mais provas, arquivar o caso ou apresentar denúncia.
A PF protocolou na sexta-feira (5) no STF os documentos do indiciamento do ex-presidente e de mais 11 pessoas na investigação sobre a venda de joias recebidas de presente pelo governo brasileiro.
O ex-presidente é suspeito dos crimes de associação criminosa (com previsão de pena de reclusão de 1 a 3 anos), lavagem de dinheiro (3 a 10 anos) e peculato/apropriação de bem público (2 a 12 anos).
A PGR analisa agora se denuncia o ex-presidente. Se isso ocorrer, caberá depois à Justiça decidir se ele vira réu. Bolsonaro foi indiciado sob suspeita dos crimes de associação criminosa, lavagem de dinheiro e peculato/apropriação de bem público.
O ex-ajudante de ordens do ex-presidente, Mauro Cid foi apontado como suspeito dos três crimes. Fabio Wajngarten e Frederick Wassef, advogados de Bolsonaro, foram citados por lavagem e associação criminosa, assim como o general da reserva Mauro Cesar Lourena Cid, pai de Mauro Cid, que teria ajudado na venda das joias, e o ex-assessor de Bolsonaro Osmar Crivelatti.
Os demais indiciados pela PF foram o ex-ministro Bento Albuquerque, Marcelo da Silva Silveira e Marcos André dos Santos Soeira (apropriação e associação criminosa), Julio Cesar Vieira Gomes (pelos três crimes e por advocacia administrativa perante a administração fazendária) e o militar José Roberto Bueno Junior (pelos três crimes).
JOSÉ MARQUES / Folhapress