BOGOTÁ, COLÔMBIA (FOHLAPRESS) – A crise do clima transformará algumas áreas da Antártida em zonas de absorção de carbono -os chamados sumidouros de carbono. A ideia parece contraintuitiva e até positiva, dado o que sabemos sobre emissões relacionadas a degelo mundo afora. Mas a descoberta deve ser vista com cautela, considerando que não se trata de algo que deva mudar o jogo -o qual estamos perdendo feio.
O achado, feito por pesquisadores brasileiros e publicado em fevereiro na revista Communications Earth & Environment, do grupo Nature, é mais uma peça para o quebra-cabeça mundial da crise climática.
A pesquisa buscou estimar os estoques de carbono orgânico no solo numa faixa de 0 a 30 cm, sob três diferentes potenciais futuros climáticos. A ideia era também avaliar se as áreas sem gelo na região seriam fontes ou sumidouros de carbono.
Um dos autores da pesquisa é taxativo ao afirmar que não se deve tirar de proporção o que foi encontrado. “A Antártida, ao que parece, vai se tornar realmente verde com o passar do tempo e com o aquecimento global. Mas esse verde antártico não vai compensar a perda da gigantesca área verde do mundo e a sua conversão [por desmatamento]”, diz Carlos Schaefer, pesquisador da UFV (Universidade Federal de Viçosa).
O “se tornar verde” citado pelo pesquisador significa que partes do continente serão povoados por plantas, um processo que, na verdade, já pode ser visto hoje mesmo. É essa nova população vegetal que fará a conhecida captura de carbono para a realização de fotossíntese e produção de biomassa.
De acordo com a pesquisa, líquenes e musgos têm um papel significativo na questão do carbono na Antártida. São organismos que se decompõem muito lentamente, devido às temperaturas baixas, e, por isso, contribuem para a acumulação de carbono no solo.
Por falar em decomposição, ela costuma ser um dos problemas ao pensarmos em áreas que estão descongelando, pois se trata de um processo que resulta em emissão de gases de efeito estufa. Os dados da pesquisa sugerem, porém, que, no caso antártico, o sequestro de carbono pelas plantas é maior do que as emissões derivadas da decomposição.
Ao se falar em derretimento de geleiras e emissões derivadas, é comum a menção às emissões derivadas do Ártico. Qual a diferença entre os polos, então?
Schaefer afirma que quase 18% dos solos do mundo são permafrost -resumidamente, solo congelado-, com uma fatia massiva dessa fatia concentrada no Ártico. Há, então, uma considerável quantidade de matéria orgânica congelada por lá, que com o descongelamento acaba sofrendo decomposição.
Na região ártica, há também grande quantidade de metano congelado no solo, um gás estufa ainda mais potente do que o gás carbônico.
“Foi congelado durante milhares de anos e estava lá quietinho”, diz o pesquisador. Até que chegou a crise climática para liberá-lo. “Consequentemente, a Antártida é completamente uma antítese ao Ártico. É uma antítese geográfica, é uma antítese pedológica [referente ao solo] e é uma antítese ecológica.”
No estudo sobre a Antártida, os dados apontam que os estoques de carbono orgânico no solo tendem a crescer mais na parte mais superficial, mais especificamente nos primeiros 15 cm de terra. E a variação nesse estoque está relacionada, de forma geral, com temperatura e precipitação.
Os dados gerados pela pesquisa –possíveis graças a um grande banco de solos antárticos parte do programa Terrantar, da UFV– apontam aumentos significativos de estoque de carbono no solo para todos os cenários climáticos.
No cenário mais ameno de crise climática (referente a um aumento de 1,5°C na temperatura média da Terra em relação à temperatura do período pré-industrial, um valor que já estamos batendo e que é a meta central do Acordo de Paris), o crescimento estimado de carbono no solo chegaria perto de 28%. Nos dois outros cenários, com aumentos de temperatura superiores a 1,5°C, o crescimento ultrapassa 50%.
Segundo a pesquisa, porém, as estimativas obtidas podem ainda estar subestimadas.
“A gente contribuiu agora com uma peça importante e interessante que é esse setor da Antártida, o lugar do mundo que mais aquece na média global. Então tem um significado especial nesse sentido”, diz Schaefer.
O cientista brasileiro aponta que apenas uma pequena parte da Antártida -menos de 3%- está sem gelo e em processo de perda de gelo, sem que o interior do continente ainda seja muito afetado.
Por isso, mesmo que esses quase 3% ainda sejam uma área consideravelmente grande para servir como sumidouro de carbono, está longe de ser algo significativo para contrabalancear o tamanho do problema que temos com a crise climática.
“Não adianta você cuidar de um jardim pequeno se a tua cidade está pegando fogo”, compara Schaefer.
PHILLIPPE WATANABE / Folhapress