RIO DE JANEIRO, RJ E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A movimentação de trabalhadores e o barulho das máquinas já indicam logo na entrada que o Estaleiro Rio Maguari, em Belém, opera em frequência diferente dos outros grandes estaleiros visitados pela Folha nesta série sobre a indústria naval brasileira.
Sem depender de encomendas da Petrobras, o Rio Maguari é um dos estaleiros de médio porte do Brasil sofreram menos com a crise iniciada após a descoberta do esquema de corrupção investigado pela Operação Lava Jato, que resultou em suspensão de encomendas e fechamento de empresas.
Esse segmento é visto como exemplo para a nova tentativa de retomada dessa indústria, por apostar na especialização de suas atividades, o que lhes garante maior competitividade e, consequentemente, menor dependência de incentivos estatais.
Quase dois terços das 247 obras concluídas com recursos do FMM (Fundo de Marinha Mercante) entre nos últimos três anos não têm relação com petróleo: são embarcações de navegação interior ou de apoio portuário. O restante foram barcos de apoio à plataformas, mas na maior parte, reparos ou modernização.
A concentração é ainda maior em 2023: quase 78% dos R$ 5,4 bilhões priorizados pelo fundo para financiar projetos de construção naval envolvem embarcações de navegação interior.
O Rio Maguari, por exemplo, se especializou na construção de barcaças e empurradores para o agronegócio, setor econômico que empurrou a economia brasileira nas últimas décadas e cada vez mais usa o modal hidroviário para escoar sua produção.
“Com a expansão das exportações de grãos pelos portos da região norte, o agronegócio passou a ser o principal demandante de embarcações na região, com potencial de crescimento permanente nos próximos anos”, diz o presidente da empresa, Fábio Vasconcellos.
Levantamento feito pelo Sinaval (Sindicato da Indústria de Construção e Reparo Naval) mostra que, ao fim de 2022, outros estaleiros na região norte, como Bibi e Seconal também se mantinham com encomendas do agronegócio.
Com cerca de 500 empregados, o estaleiro Rio Maguari opera hoje com 70% de sua capacidade de processamento de aço e investe em expansão, visando o aumento da capacidade de içamento e movimentação de cargas e a construção de um novo galpão para a construção de blocos.
Aposta também em um novo segmento, a construção de rebocadores portuários, que movimentava as instalações do estaleiro no dia em que a reportagem esteve lá. É um contrato de quatro embarcações, o primeiro deste tipo.
Vasconcellos diz que a não dependência de encomendas do setor de óleo e gás é um diferencial e que, hoje, a produtividade da empresa se equipara à de estaleiros americanos e europeus especializados em barcaças e rebocadores, respectivamente.
Em Itajaí (SC), outro importante polo de estaleiros de médio porte do país, a fabricação de iates vem impulsionando o setor, diz o presidente do sindicato dos metalúrgicos local, Jurandir Natal Sardo. São hoje cerca de mil trabalhadores nessa atividade.
A Azimut, por exemplo, produziu 42 embarcações em sua unidade de Itajaí no último ano náutico, que começou em setembro de 2022 e terminou em agosto deste ano. O número representa sete iates a mais do que o patamar do exercício anterior.
Outros cerca de 600 trabalhadores de Itajaí estão no Estaleiro Brasil Sul, da Thyssen Krupp, que constrói fragatas para a Marinha, outra instituição que deve ser chamada a contribuir com a retomada da indústria naval, embora o Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) traga apenas obras já anunciadas.
Há ainda trabalhadores em estaleiros especializados em embarcações de apoio à indústria do petróleo, geralmente operados pelos armadores que alugam os barcos à Petrobras e vivem a expectativa da já prometida retomada de encomendas.
Mas o número de empregos no polo naval de Itajaí hoje não chega a dois mil, bem abaixo do pico superior a 14 mil nos tempos áureos da indústria. Se o plano de retomar as obras for bem sucedido, afirma Sardo, o governo terá que voltar a treinar pessoal. “Não tem mais mão de obra na cidade.”
A especialização dos estaleiros é vista pelo setor como um caminho para a busca de patamares de competitividade que reduzam a necessidade de incentivos estatais. O excesso de encomendas é apontado como uma das causas dos problemas do ciclo de retomada das primeiras gestões petistas.
O Brasil já tem grandes estaleiros especializados em fabricação e integração em módulos de plataformas. Outros, como o Estaleiro Rio Grande, no Rio Grande do Sul, já se habilitaram para começar a desmantelar plataformas antigas da Petrobras.
Em entrevista em outubro, o presidente da estatal, Jean Paul Prates, disse que a empresa estuda como integrar os estaleiros dos maiores países construtores -China, Coreia do Sul e Cingapura- à indústria naval nacional.
O setor, porém, defende que uma demanda perene é essencial para que a indústria naval nacional atinja níveis de competitividade que justifiquem as encomendas sem incentivos estatais.
“Faltou um pouco de paciência e teve uma estimativa otimista demais de tempo de aprendizado [no programa anterior]”, avalia o Walter Gouvea Junior, que trabalha na indústria desde 1975, quando o país era um dos maiores fabricantes de navios do mundo e está hoje no Rio Grande.
“Um trabalho desse tamanho não tem uma curva simples de aprendizado. Então, querer uma resposta de um país como Coreia ou Japão em três, quatro anos, é impossível”, continua. “Nossa eficiência na linha de montagem de bloco já era bastante razoável e, agora, vamos começar lá de trás de novo.”
NICOLA PAMPLONA E EDUARDO ANIZELLI / Folhapress