PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Em votação na noite desta terça (26), a Assembleia Nacional da França rejeitou por 484 a 70 votos o acordo União Europeia-Mercosul. O resultado só tem valor simbólico, pois os parlamentos nacionais não têm poder na negociação entre os blocos, mas sinaliza a unidade dos partidos políticos franceses, da extrema-esquerda à ultradireita, contra o texto.
Na sessão que debateu o acordo, a carne brasileira foi a maior vilã, citada em vários discursos em termos fortemente pejorativos.
“Nossos agricultores não querem morrer e nossos pratos não são latas de lixo”, discursou o deputado Vincent Trébuchet (partido UDR, de direita).
Antoine Vermorel-Marques (Republicanos, direita) comparou a tradicional vaca charolesa francesa, “rústica e maternal”, com a mesma raça bovina criada na América do Sul.
“Aglutinada em fazendas de 10 mil cabeças, engordada, condenada aos ferros, comendo soja transgênica, em um hectare onde antes havia a floresta amazônica, abatida sem dó nem piedade e empacotada em um cargueiro refrigerado. Seu destino? Nossas mesas, nossas cantinas, vendida a metade do preço, financiada ao custo da nossa saúde, alimentada com um pesticida proibido na Europa, que fragiliza a gravidez e ataca a saúde dos recém-nascidos”, disse Vermorel-Marques.
Nesta terça-feira (26), ao comentar o pedido de desculpas do Carrefour sobre a carne brasileira, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, afirmou que o Brasil tem responsabilidade com os produtos que entrega e que o governo está aberto a dialogar sobre transparência, rastreabilidade e compromissos de sustentabilidade e meio ambiente.
“Estamos fazendo a recuperação de 40 milhões de hectares de pastagem. Em hipótese alguma vamos aceitar que alguém venha falar da qualidade de nosso produto, que venha deturpar o que fazemos com excelência”, comentou.
“Como o modelo brasileiro é tão competitivo?”, questionou, na Assembleia, a deputada Hélène Laporte (partido RN, ultradireita). “Uma ultraconcentração da produção, com três empresas dividindo 92% da produção destinada à exportação; desmatamento maciço e uso de antibióticos sem moderação. Vamos usar a pecuária brasileira como modelo? Para o RN, a resposta é não.”
Laporte admitiu que a cota prevista no acordo para a carne do Mercosul representa menos de 2% do consumo europeu. Segundo ela, porém, isso “basta para desestabilizar o mercado francês”.
“A França está contra a parede. A Comissão Europeia, de forma opaca, quer forçar a aprovação do acordo”, acusou Arnaud Le Gall (França Insubmissa, extrema-esquerda).
Para rejeitar o acordo, a França precisa reunir pelo menos quatro países europeus que, juntos, representem pelo menos 35% da população da União Europeia. Além dos franceses, os poloneses também declararam oposição ao texto. Existe a possibilidade de assinatura do acordo na próxima semana, em Montevidéu, no Uruguai.
Entre outros argumentos, foram usadas a defesa das populações indígenas brasileiras contra o desmatamento e a proteção dos camponeses brasileiros contra o êxodo rural que aumentaria a população das favelas.
O debate sobre o acordo com o Mercosul transformou-se em um ataque ao livre-comércio em geral, da parte de vários deputados. Foi criticado um acordo assinado nesta semana, que abriu o mercado da UE a ovinos da Nova Zelândia. Alguns deputados pediram alterações em um acordo para importação de tomates do Marrocos. Partidos sempre opostos ao livre comércio, de extrema-esquerda, ironizaram a súbita adesão de outros partidos à causa protecionista.
A ministra da Agricultura, Annie Genevard, lembrou que há quase exatamente 60 anos por Charles de Gaulle, então presidente da França, fez um giro pela América Latina, inclusive o Brasil. Na ocasião, disse que a França e a América Latina deveriam andar “de mãos dadas”. Mesmo assim, Genevard declarou-se contra o acordo.
ANDRÉ FONTENELLE / Folhapress