BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A arrecadação bilionária do Sistema S entrou na mira do relator da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2024, deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), que propôs incluir os recursos no Orçamento Federal.
A divulgação do parecer gerou reação das entidades, que temem ficar sujeitas a bloqueios e contingenciamentos de recursos. Elas argumentam que as verbas não são receitas públicas, e sua inclusão no Orçamento seria inconstitucional.
As entidades do Sistema S -entre elas Senai, Sesc, Senac e Sebrae- são financiadas por contribuições compulsórias pagas pelas empresas sobre a folha de pagamento, em percentuais que variam de 0,2% a 2,5%.
O recolhimento é feito pela Receita Federal, mas a distribuição do dinheiro não passa pelo Orçamento. Neste ano, o repasse deve ficar em R$ 29,9 bilhões.
A cobrança está prevista em artigo da Constituição Federal e tem o objetivo de promover qualificação de mão de obra e atividades sociais. Preocupados com os efeitos práticos da inclusão no Orçamento, dirigentes já procuram congressistas e pedem “ajuda”.
No governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a preocupação é com o impacto da mudança na gestão dos limites de despesa sob o novo arcabouço fiscal. O entendimento de técnicos é que a transferência da verba consumiria espaço dentro da regra, levando a cortes em outras áreas. Procurado, o Ministério da Fazenda não quis comentar.
Forte, por sua vez, diz buscar apenas “transparência”. Procurado, o Ministério da Fazenda não quis comentar se é favorável ou não à inclusão dos recursos no Orçamento e se há riscos para o novo arcabouço fiscal, que limita os gastos do governo.
O parecer do deputado diz que as contribuições das entidades serão arrecadadas, fiscalizadas e cobradas pela Receita Federal e “integrarão o Orçamento Fiscal, transferindo-se o produto de sua arrecadação às entidades”.
Segundo Forte, isso não significa que as despesas das instituições passarão a integrar o Orçamento de forma detalhada, discriminando cada item. A medida valerá para a arrecadação, que será incluída na previsão de receitas, e para o repasse global feito às entidades.
“A minha máxima sempre foi: onde há recurso público, tem de haver transparência. O sistema S movimenta recursos vultosos, arrecadados pela Receita, e a sociedade tem o direito de saber o volume disso, para poder acompanhar e verificar o que está sendo gasto”, afirma Forte à Folha.
“Não estou tirando um centavo do Sistema S, apenas jogando transparência sobre esses recursos, conforme tem sido a recomendação de diversos órgãos de controle, como o TCU [Tribunal de Contas da União], por exemplo”, acrescenta o relator.
Os critérios de destinação e a falta de transparência no uso desses recursos já foram alvo de críticas de órgãos de controle no passado.
O parecer de Forte ainda será discutido e votado pelos congressistas. No entanto, já há forte mobilização nos bastidores para a derrubada do artigo.
Uma mensagem disparada por membros dessas entidades circula entre parlamentares com sirenes de alerta e um apelo. “Precisamos de ajuda!! Nosso orçamento não pode ser contingenciado!!”, diz o texto compartilhado por aplicativo de mensagens.
O presidente do Sebrae, Décio Lima, que já foi deputado federal por três mandatos, diz que vai ligar para o relator da LDO, de quem foi “parceiro e companheiro” durante as legislaturas em que atuou na Câmara.
“Vou procurar ele para debater o assunto e levar as nossas considerações”, afirma.
“Contingenciar recursos do Sebrae é tirar dinheiro dos pequenos”, diz Lima. Ele afirma ainda que o Sistema S já presta contas ao TCU e possui normas internas de governança e compliance. “A fiscalização a que estamos submetidos é até maior do que no poder público.”
Em nota, a CNC (Confederação Nacional do Comércio) afirma que os recursos destinados ao Sesc e ao Senac, assim como às demais entidades do Sistema S, “não podem ser incorporados” ao Orçamento porque “são destinados a entidades privadas”.
A entidade cita um julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal), no qual a corte reconheceu o caráter privado dessas instituições como base para a dispensa de concurso público na contratação de funcionários.
O entendimento das entidades é que, se são instituições privadas, “o dinheiro não é público”.
“A pretensão de inserir os recursos do Sistema S no Orçamento da União não atende a qualquer princípio constitucional ou norma legal e, inclusive, extrapola a ordem jurídica brasileira. Esses recursos não podem ser considerados integrantes do erário já que, por definição constitucional, não têm como escopo fazer frente às despesas do Estado”, afirma a CNC.
Procuradas, CNI (Indústria), CNA (Agricultura e Pecuária) e CNT (Transportes) não responderam até a publicação deste texto.
A medida preocupa também o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por receio do impacto da mudança na gestão dos limites de despesa sob o novo arcabouço fiscal. O entendimento de técnicos é que a transferência da verba consumiria espaço dentro da regra, levando a cortes em outras áreas.
Embora a inclusão dessa fonte de arrecadação no Orçamento pudesse ampliar a base da DRU (Desvinculação de Receitas da União), que autoriza maior flexibilidade sobre 30% das contribuições sociais, o repasse às entidades representaria uma despesa nova sob o limite do arcabouço.
Seria necessário cortar outras despesas no mesmo montante para viabilizar o repasse. O impasse é considerado dentro do governo como um dos problemas mais graves do parecer da LDO, ao lado do carimbo de R$ 11,3 bilhões para emendas de comissão.
Segundo o TCU, o Sistema S é formado por entidades de direito privado que administram recursos públicos. Por isso, são fiscalizadas pelo tribunal.
Nos últimos anos, a corte de contas fez recomendações para ampliar a transparência sobre o uso do dinheiro e apontou irregularidades na contratação de empresas de dirigentes ou funcionários para prestação de serviços, ou ainda na contratação de parentes para ocupar postos de trabalho nos órgãos.
O Congresso já tentou outras vezes incluir esses recursos no Orçamento, mas esbarrou na resistência de líderes empresariais. Também já houve tentativas de mexer na destinação ou até reduzir o repasse de recursos, iniciativas que foram igualmente barradas pelas entidades.
No segundo mandato de Dilma Rousseff (PT), o então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, propôs um corte de 40% nos repasses, sem sucesso.
Prestes a assumir o Ministério da Economia de Jair Bolsonaro (PL), Paulo Guedes defendeu, em dezembro de 2018, a redução dos repasses. “Tem que meter a faca no Sistema S”, afirmou à época. Não houve, porém, mudanças nas regras de financiamento.
IDIANA TOMAZELLI / Folhapress