Deputados aprovam projeto que blinda trecho do hino do RS tido como racista

PORTO ALEGRE, RS (UOL/FOLHAPRESS) – A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou nesta terça-feira (11), em primeiro turno, uma PEC (Proposta Emenda à Constituição) que protege o hino do estado e outros símbolos, como a bandeira e o brasão, de eventuais mudanças.

Aprovado por 38 votos —houve 13 contrários—, o texto ainda precisa ser votado em segundo turno, o que só deve ocorrer depois de agosto.

A proposta apresentada por Rodrigo Lorenzoni (PL) e outros 19 deputados signatários impede que se ponha em discussão a mudança de um trecho do Hino Farroupilha que incomoda a comunidade preta no estado: “povo que não tem virtude acaba por ser escravo”.

Este trecho não é citado diretamente na PEC, que estabelece que símbolos do Estado “são protegidos e imutáveis em sua integralidade”.

No Rio Grande do Sul, o hino cujo refrão diz “sirvam nossas façanhas de modelo à toda terra” é tão ou mais entoado do que o nacional, estando presente em cerimônias e eventos como jogos de futebol.

Lorenzoni, que é filho do ex-ministro Onyx Lorenzoni, comemorou o resultado da votação em suas redes sociais dizendo que o objetivo da proposta “sempre foi tornar mais difícil a vida daqueles que tentam mudar a letra do Hino Farroupilha por considerá-lo ‘racista'”, e atribuindo a essa intenção à extrema esquerda. Ele defende que o trecho não é racista.

Uma emenda à PEC, de autoria do deputado e cantor tradicionalista Luiz Marenco (PDT), também aprovada, prevê que seja feito um referendo caso haja proposta de mudança nos referidos símbolos.

Embora admitam o incômodo com a letra, deputados de partidos de esquerda argumentam que a mudança do hino não estava entre as pautas prioritárias do grupo. Dizem que a polêmica em torno da proposta é uma forma de deputados de direita insuflarem sua base de apoiadores contra deputados progressistas. Nas eleições de 2022, três candidatos pretos chegaram à Assembleia Legislativa.

“Esse debate só acontece porque pela primeira vez na história chegou uma bancada negra a esta Casa”, disse Bruna Rodrigues (PCdoB) na tribuna.

Também integrantes da bancada negra, Matheus Gomes (PSOL) declarou que a proposta “tenta impedir que a sociedade gaúcha construa uma reflexão sobre elementos da sua cultura”.

Laura Sito (PT) argumenta que a proposta não faz sentido pelo viés de proteção dos símbolos, tendo em vista que o hino já foi modificado outras vezes (a última delas em 1966, quando perdeu uma estrofe que fazia menções à Grécia antiga), e que a aprovação “reforça o ideário racista”.

“Não está em discussão se, na época da composição, a intenção do hino fosse fazer uma associação racista. O problema é hoje, com os elementos e a capacidade de reflexão que nós temos, interditar um debate que associa a situação de ser escravizado à falta de virtude”, diz.

A polêmica em torno do trecho do hino ressurgiu com força a partir de 2021, quando, ao tomarem posse, 5 vereadores pretos eleitos em Porto Alegre não se levantaram para entoar o hino em protesto. Em junho de 2022, no período pré-eleitoral, o hino foi vaiado por parte da plateia em um comício de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

No entanto, a polêmica não é nova. Movimentos negros gaúchos discutem a estrofe pelo menos desde meados dos anos 2000. Na ocasião, o poeta Oliveira Silveira propôs uma letra alternativa respeitando a musicalidade atual: em vez de “povo que não tem virtude acaba por ser escravo”, ficaria “povo que é lança e virtude, a clava quer ver escravo”.

O termo lança faz referência aos lanceiros negros, combatentes da Revolução Farroupilha (1835-1843). Trata-se de outro episódio desconfortável da história do Rio Grande do Sul, dado que os combatentes teriam sido atacados desarmados com a conivência dos líderes farrapos para que não precisassem ser libertados ao final do conflito.

O governador Eduardo Leite (PSDB) não se manifestou espontaneamente sobre o tema, mas foi questionado por repórteres na saída de um evento no último dia 5.

Disse que o hino “tem um trecho que machuca uma parte da população gaúcha” e que esse debate deveria ser feito no Legislativo. Declarou ainda que não vê a sociedade preocupada com essa questão, que “parece ser a tentativa de criar uma bandeira para uma ideologia ou para outra”.

CAUE FONSECA / Folhapress

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