BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – O governo Milei obteve uma custosa, mas importante, vitória ao receber nesta quarta-feira (19) a validação da Câmara de Deputados da Argentina para seu decreto que prevê a assinatura futura de um novo acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional).
Empréstimos estatais no exterior têm de ser aprovados pelas duas Casas do Congresso, mas Milei, sem a maioria necessária, encurtou o caminho com um controverso decreto presidencial que tinha apenas uma chance de ser derrubado: se Câmara e Senado o negassem. Agora, com o apoio dos deputados, ele seguirá válido.
Em uma sessão marcada por gritos e desentendimentos, o chamado DNU (decreto de necessidade de urgência) foi aprovado por 129 votos, ante 108 contrários e seis abstenções. Era necessário maioria simples na Casa: metade dos presentes mais um.
Do lado de fora do Congresso, enquanto ocorria a votação, havia clima de tensão diante da iminência de uma nova manifestação somente uma semana após um protesto terminar com mais de cem detidos, 45 feridos e um trabalhador da imprensa hospitalizado em estado grave.
O presidente Javier Milei e seu ministro da Economia, Luis “Toto” Caputo, têm há meses se reunido com altas autoridades do FMI para negociar a liberação de um novo montante que, segundo sugerem interlocutores, teria o piso de US$ 10 bilhões.
O objetivo seria amortecer a dívida do Tesouro com o Banco Central. A dívida com o BC seria substituída pela com o Fundo, em um esquema que aumenta a dívida externa e troca o credor do endividamento. O FMI vem fazendo reiterados elogios à gestão do ultraliberal.
Do pouco que se sabe, foi informado que o acordo seria um programa de facilidades estendidas, similar ao que o país assinou em 2022 com o FMI para refinanciar o empréstimo pego com o Fundo em 2018, o maior da história da instituição financeira.
Com esse modelo, o FMI dá assistência financeira em troca de reformas estruturais e medidas de estabilidade econômica. O acordo teria prazo de pagamento de dez anos, com quatro anos de período de graça, e não está claro em quantas parcelas o dinheiro seria liberado.
Na arena econômica, essa gestão da Casa Rosada tem somado êxitos. Nesta semana a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), fórum que Buenos Aires almeja integrar, elencou a Argentina como o segundo país com maior previsão de crescimento anual neste ano, de 5,7%, atrás apenas da Índia (6,4%).
O país alcançou um novo superávit financeiro em fevereiro passado e uma outra boa notícia é esperada para o próximo dia 21, quando o “IBGE argentino”, o Indec, tornará público o novo dado oficial das estatísticas de pobreza; as projeções são de que haja diminuição de mais dez pontos percentuais, dos atuais 52,9% para cerca de 38%.
Ainda assim, o consumo acumula um ano de recuos mensais acima de 10%, influenciado também, é verdade, pela injeção de incentivos feita no período pré-Milei, com objetivos eleitorais, pela Presidência do peronista Alberto Fernández. Isso relegou bases de comparação muito elevadas, alargando os recuos atuais. O último dado disponível, de fevereiro, mostra diminuição de 9,8% nas compras dos argentinos.
Em paralelo à agenda econômica, o caldo político é mais controverso. Milei tem apelado a decretos, contornando o Legislativo, não apenas para o acordo com o FMI, mas também para nomear novos juízes para o Supremo. O Congresso, no entanto, não tem mostrado capacidade de articulação para barrá-lo.
Nesta terça-feira (18), pedidos de deputados da oposição para que o escândalo do criptogate fosse investigado e para que Milei e sua irmã, Karina (secretária-geral da Presidência), fossem chamados a prestar esclarecimentos falharam em uma comissão que barrou a demanda. No Senado o assunto também já foi votado. E perdeu.
O iminente acordo com o FMI pode levar a uma nova onda de protestos nas ruas. O Fundo é um personagem sensível no país, em que parte da população ainda o associa a cortes brutais de orçamento no início dos anos 2000 e a um passado de protestos violentos. Quando o então presidente Mauricio Macri pediu ajuda do fundo em 2018, seu governo foi alvo de intensas e, por vezes, violentas manifestações.
MAYARA PAIXÃO / Folhapress