SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A cúpula convocada pela Suíça para discutir uma saída para a Guerra da Ucrânia começou neste sábado (15) sob o signo do desânimo, refletindo as divisões mundiais acerca da fórmula para encerrar a invasão russa ordenada por Vladimir Putin em 2022.
“Muitas questões de paz e segurança serão discutidas, mas não as maiores”, afirmou o primeiro-ministro alemão, Olaf Scholz, ao chegar à conferência, que ocorre em um resort à beira do cênico lago Lucerna, em Obbürgen.
O tom não podia ser mais morno. “Esta é uma plantinha que precisa ser regada, mas é claro que que com uma perspectiva de que algo mais sairá disso”, completou o alemão.
A própria composição do encontro lhe garante o status de uma reunião de apoiadores da Ucrânia, a começar pelo fato de que a Rússia não foi convidada. Dos 160 países chamados, 90 enviaram delegações, 37 delas lideradas por chefes de Estado ou de governo.
Dois Estados, Brasil e Vaticano, enviaram apenas um observador cada. No caso brasileiro, a presença da embaixadora do país na Suíça é uma deferência a seu voto na ONU condenando a invasão, mas estampa a visão do Itamaraty de que não há solução sem que russos e ucranianos sentem-se à mesa.
Outras seis organizações internacionais enviaram delegações, e duas, observadores –inclusive as Nações Unidas.
A visão brasileira é defendida pela China, maior aliada de Putin e principal ausência na Suíça. Na sexta (14), um representante chinês na ONU disse que apenas uma negociação dentro do Conselho de Segurança da entidade, com Kiev e Moscou presentes, pode ter sucesso.
Os Estados Unidos, principais fiadores do apoio militar a Kiev, enviaram apenas a vice-presidente, Kamala Harris, ao encontro. O prêmio de consolação ante o desprestígio, já que Joe Biden estava na Itália para o encontro do G7, foi a assinatura de um acordo militar pomposo, mas de execução duvidosa, entre o presidente americano e seu colega ucraniano, Volodimir Zelenski.
Kamala também anunciou uma ajuda extra, de US$ 1,5 bilhão, para ajudar a reconstruir o sistema energético da Ucrânia. Neste sábado, os russos deixaram parte da região de Tchernihiv (norte) no escuro, em mais um ataque contra centrais elétricas.
Antes da sessão plenária da conferência, Zelenski previsivelmente preferiu uma fala olhando o copo meio cheio, celebrando a presença dos 90 convidados. “A Ucrânia nunca quis essa guerra”, disse ele ao lado da presidente suíça, Viola Amherd.
Com efeito, a ideia ventilada pelo seu assessor Andrii Iermak ao longo da semana é de que a conferência aprove um rascunho de proposta de paz para ser apresentada em uma segunda reunião, esta com a presença da Rússia.
Putin tem seus próprios planos. Além de qualificar o encontro suíço como “fútil”, o russo criou um fato político na sexta ao apresentar pela primeira vez de forma clara uma demanda para acabar com a guerra.
O presidente diz que interrompe os combates e começa a negociar se a Ucrânia aceitar ceder as quatro regiões que o Kremlin anexou ilegalmente, embora não exerça controle militar total sobre elas, em setembro de 2022. Nenhuma palavra sobre a Crimeia, anexada em 2014 pelo russo.
Além disso, a Rússia exige a neutralidade do vizinho e sua desmilitarização. Como mostrou reportagem neste sábado do jornal The New York Times, com novos documentos das negociações entre Kiev e Moscou no começo da guerra, o tamanho das forças ucranianas foi um dos pontos em que as conversas encalacraram.
Passados mais de dois anos, tendo recebido grande quantidade de material militar e, agora, autorização para empregá-lo em solo russo, a demanda soa tão inaceitável ao ouvidos de Zelenski quanto concessões territoriais –o ucraniano até editou um decreto proibindo negociar com a Rússia enquanto Putin for presidente.
Kiev e os aliados rejeitaram o plano de Putin, que Scholz afirmou não “ser sério”. Já o Kremlin criticou a reação em uníssono dos rivais, chamada de “pouco construtiva”.
A reunião na Suíça acaba neste domingo (16) com reuniões temáticas baseadas no plano de dez pontos que Zelenski apresentou em 2022, que é igualmente uma lista de exigências sem concessões à Rússia. Serão discutidas segurança nuclear, exportação de grãos e questões humanitárias.
IGOR GIELOW / Folhapress