SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que o planeta entrou numa curva exponencial de desastres naturais, o que terá influência no trabalho dos bancos centrais ao redor do mundo à medida que eventos extremos provocam incertezas nos preços.
Segundo ele, isso não é uma unanimidade entre todas as autoridades monetárias. Em alguns países, os órgãos avaliam que tratar do tema seria tirar atribuições dos Poderes Executivo e Legislativo. Por isso, deveriam se concentrar apenas no impacto do clima na estabilidade financeira.
Campos Neto disse ver o assunto por outra perspectiva. “Minha opinião é que os bancos [centrais] deveriam entender — e acho que a gente sente isso mais no Brasil–, que o número crescente de desastres climáticos que a gente está vendo terá influência no nosso mandato, porque vai gerar uma grande instabilidade de preços em energia e alimentos”, afirmou em evento nesta sexta-feira (17), em São Paulo.
Para ele, o Banco Central deve atuar como for possível no direcionamento de recursos para fins climáticos e na promoção de transparência de informações sobre o que é financiado, citando como exemplo projetos de agricultura sustentável.
Durante o evento, promovido pelos jornais Valor Econômico e O Globo, Campos Neto fez uma apresentação sobre as dificuldades que o processo de queda da inflação deve enfrentar no mundo todo.
Além do aumento da dívida dos países no contexto pós-pandemia, do desemprego em queda e das projeções de consumo, o presidente do BC citou a questão climática.
“A gente olhou o número de desastres naturais no mundo, que mostra que a gente entrou agora numa curva de desastres naturais que está bastante exponencial”, disse. “Não dá para dizer que preço de alimentos vai subir, é difícil achar essa relação, mas dá para dizer que vai ser mais volátil, ou seja, vai ter mais flutuação de preço”, acrescentou.
Na avaliação dele, essa volatilidade significa mais incerteza, o que é um ponto de interrogação no processo global de desinflação.
O clima ainda entra numa outra parte da equação apresentada por Campos Neto: haveria uma demanda crescente por recursos no mundo, e o cenário de oferta é limitado.
“É impressionante quando a gente olha, por exemplo, os gastos que estão projetados para mudança climática, que talvez seja nossa prioridade número um agora”, afirmou.
O chefe do BC disse ser preciso endereçar esse ponto, principalmente com a perspectiva de que o aumento dos desastres naturais tenha impacto no preço de alimentos e energia. “Mas não é barato, é um custo relativamente grande.”
O calor intenso que atinge algumas regiões do país já começou a impactar a inflação. As altas temperaturas, associadas ao fenômeno climático El Niño, que altera o padrão de chuvas no país, ameaça acelerar as tarifas de energia elétrica e os preços de alimentos mais sensíveis ao clima, como verduras, legumes e frutas.
Reportagem da Folha publicada em agosto também mostrou que a crise climática vai abaixar a nota de crédito de países. Ou seja, um fracasso global em reduzir as emissões de carbono será responsável por um aumento nos custos da dívida em pelo menos 59 países. No pior cenário, Brasil teria custo adicional de R$ 1,9 bilhão por ano com juros
‘Perseguir meta de déficit zero é importante’, diz Campos Neto
Durante o evento, o presidente do BC voltou a se posicionar no debate sobre mudar ou não a meta do governo federal de zerar o déficit em 2024. Segundo ele, há uma diferença grande entre o que agentes financeiros acham que é possível atingir e o que o governo tem prometido.
Campos Neto disse ter “se juntado ao coro do Ministério da Fazenda” de que é importante insistir na manutenção da meta e buscar receitas.
“Nossa posição é de que é importante manter a meta. O mercado prevê dificuldade de atingir a meta, mas acho que é importante insistir. Teve um trabalho muito grande de fazer um arcabouço fiscal, que tem previsões do que acontece quando você não cumpre as metas, então acho que é importante seguir com essa trajetória”, afirmou.
Analistas projetam um déficit de -0,8% do PIB (Produto Interno Bruto) para 2024, enquanto o governo projeta 0% (com margem de tolerância de 0,25 ponto percentual para mais ou para menos).
Com o ceticismo do mercado -e com uma ala do governo querendo evitar o risco de contingenciamento de recursos no ano que vem- uma alteração na meta fiscal passou a ser cogitada.
Mas, nesta quinta (16), o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse que vai manter o objetivo estipulado pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda).
Campos Neto disse que manter a meta também é um jogo de credibilidade. O debate sobre 0,25 ponto percentual, segundo ele, equivale a algo como R$ 20 bilhões, mas a perda de confiança da sociedade embutida na mudança pode ser muito pior.
“Se você fez o arcabouço, lutou por ele, teve um trabalho de convencimento do Legislativo, um trabalho de comunicação com a sociedade, e no primeiro sinal de desafio você abandona [a meta], vai gerar uma dificuldade muito grande das pessoas estimarem quais são os números futuros”, disse.
THIAGO BETHÔNICO / Folhapress