Desconfiança sobre metas fiscais eleva preocupação do mercado com inflação, diz BC em ata

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central observou que a desconfiança sobre o cumprimento das metas fiscais estabelecidas pelo governo Lula (PT) tem elevado a preocupação do mercado financeiro com a trajetória da inflação, conforme ata divulgada nesta terça-feira (26).

“O Comitê avalia que parte da incerteza observada nos mercados, com elevação de prêmios de risco e da inflação implícita, estava anteriormente mais em torno do desenho final do arcabouço fiscal e atualmente se refere mais à execução das medidas de receita e despesas compatíveis com o arcabouço e o atingimento das metas fiscais”, disse.

No documento, o colegiado do BC reiterou a importância da “firme persecução” das metas fiscais para levar as expectativas de inflação em direção às metas e, assim, ajudar no processo de redução dos juros.

A equipe econômica traçou como objetivo zerar o déficit primário já no ano que vem -meta vista com ceticismo pelo mercado e até por membros do próprio governo.

“O comitê reforçou a visão de que o esmorecimento no esforço de reformas estruturais, o aumento de crédito direcionado e as incertezas sobre a estabilização da dívida pública têm o potencial de elevar a taxa de juros neutra da economia [aquela que não contrai nem estimula a economia], com impactos deletérios sobre a potência da política monetária e, consequentemente, sobre o custo de desinflação em termos de atividade”, alertou o BC.

Na última quarta-feira (20), o Copom reduziu a taxa básica de juros (Selic) em 0,5 ponto percentual, de 13,25% para 12,75% ao ano. A decisão foi tomada de forma unânime pelos nove membros do colegiado.

Esse foi o segundo corte consecutivo promovido pelo comitê, que levou os juros ao menor nível em 16 meses. Em maio de 2022, a Selic estava em 11,75% ao ano.

De acordo com o Copom, as expectativas de inflação continuam sendo um fator de preocupação –o boletim Focus mostrou interrupção no processo de queda das projeções nas últimas semanas.

“O comitê seguiu avaliando que, entre as possibilidades que justificariam observarmos expectativas de inflação acima da meta estariam as preocupações no âmbito fiscal, receios com a desinflação global e a possível percepção, por parte de analistas, de que o Copom, ao longo do tempo, poderia se tornar mais leniente no combate à inflação.”

Para o colegiado do BC, a redução das expectativas virá por meio de uma atuação firme, “em consonância com o objetivo de fortalecer a credibilidade e a reputação tanto das instituições como dos arcabouços econômicos.”

PRÓXIMOS PASSOS

O Copom reafirmou a previsão de novos cortes de 0,5 ponto percentual nas reuniões seguintes e disse julgar como “pouco provável” uma intensificação adicional do ritmo de ajustes. De acordo com o registro, apenas “surpresas positivas substanciais” na dinâmica da inflação podem levar o comitê a alterar seu plano de voo.

Segundo a ata, os membros do colegiado concordaram unanimemente sobre os próximos passos e avaliaram que esse é o ritmo apropriado para manter a política monetária contracionista para o processo de desinflação. A extensão do ciclo de flexibilização dos juros dependerá da evolução dessa dinâmica.

“Tal ritmo conjuga, de um lado, o firme compromisso com a reancoragem de expectativas e a dinâmica desinflacionária e, de outro, o ajuste no nível de aperto monetário em termos reais diante da dinâmica mais benigna da inflação antecipada nas projeções do cenário de referência.”

No cenário de referência do Copom, as projeções de inflação subiram. Para este ano, a estimativa saltou de 4,9% para 5% e, para 2024, passou de 3,4% para 3,5%. Para 2025, a estimativa é de 3,1%, ante 3% no encontro anterior.

“Avaliou-se ainda que não há evidência de que esteja em curso um aperto além do que seria necessário para a convergência da inflação para a meta e que o cenário ainda inspira cautela, reforçando a visão de serenidade e moderação que o comitê tem expressado”, afirmou o BC.

No próximo ano, a meta de inflação definida pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) é de 3%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos. Isso significa que ela será considerada cumprida se oscilar de 1,5% (piso) a 4,5% (teto).

A ata mostrou que houve divergência no colegiado com relação à evolução do cenário. “Alguns membros se mostraram particularmente preocupados com a possibilidade de metas desancoradas [distantes do objetivo] por um período longo.”

As divergências nas discussões chamaram a atenção de Mirella Hirakawa, economista da AZ Quest, que destacou a heterogeneidade no debate de alguns temas, com membros do Copom mais ou menos otimistas com relação à dinâmica da inflação de serviços.

Apesar das diferentes visões entre os diretores, ela viu um alinhamento nas decisões do Copom. Para a especialista, o colegiado adotou um tom mais duro na ata e sinalizou que deve seguir com uma postura mais firme para fortalecer a credibilidade de seu trabalho.

“Essa ata diminui a probabilidade de aceleração [de corte de juros] na reunião de novembro e possivelmente também na de dezembro, se colocando mais focado nos temas relacionados a hiato do produto e à taxa de juros neutra, e principalmente a riscos globais e fiscais”, afirmou.

Rodolfo Margato, economista da XP, considerou que o cenário global mais incerto e a atividade local resiliente reforçam a postura cautelosa do BC.

Ele ressaltou que o documento mostra que alguns membros estão menos confiantes na desinflação de serviços sob a perspectiva de que a dinâmica do mercado de trabalho e da atividade econômica “ainda não permitem uma extrapolação convincente do comportamento recente.”

Na visão dele, a discussão sobre o Copom acelerar o ritmo de cortes de juros provavelmente perderá força, ao menos no curto prazo. “As taxas de juros pressionadas no exterior e a política fiscal expansionista no ambiente doméstico são limitações para um afrouxamento monetário mais intenso em 2024”, disse.

Na ata, o Copom disse também monitorar os riscos relativos ao fenômeno climático do El Niño, ressaltando a incerteza com relação à sua magnitude, ao período de impacto mais relevante e os efeitos sobre os diferentes alimentos, e à variação do preço internacional do petróleo.

“O comitê optou por incorporar um impacto relativamente pequeno do El Niño em suas projeções de inflação de alimentos, mas alguns membros enfatizaram os impactos inflacionários no caso de ocorrência de um fenômeno El Niño mais extremo”, indicou.

RESILIÊNCIA DA ATIVIDADE ECONÔMICA

O colegiado do BC afirmou ter travado um amplo debate sobre os fatores que motivaram um crescimento mais resiliente da economia brasileira nos últimos trimestres e elencou quatro possibilidades com diferentes implicações para a condução da política monetária.

A primeira hipótese considerou os efeitos indiretos da “pujança” do setor agropecuário sobre outros setores da economia. No entanto, o comitê ponderou que ela não justificaria toda a magnitude da surpresa observada.

Também entrou no debate a possibilidade de que a elevação da renda disponível –seja em função do dinamismo do mercado de trabalho, da queda de preços de alimentos ou de programas de transferência de renda– tenha fornecido suporte para o consumo.

“O comitê se deteve sobre esse tema, identificado como muito relevante, e destacou que a conjectura de um crescimento sustentado pela elevação da renda é corroborada pela resiliência no consumo de serviços das famílias”, disse.

Outro fator, embora com menor impacto sobre variações de curto prazo, seria uma taxa de juros neutra mais elevada –hoje, a taxa de equilíbrio adotada pela autoridade monetária é de 4,5%.

O Copom discutiu ainda se houve elevação do crescimento potencial devido a reformas regulatórias e avanços institucionais.

“Ainda que julgue nesse momento prematuro reavaliar o crescimento potencial, o comitê pondera que a persistência de um crescimento resiliente nos próximos trimestres sem impacto inflacionário pode, no futuro, levar a uma reavaliação do crescimento potencial”, afirmou.

O bom desempenho da economia no segundo trimestre deste ano e a safra agrícola recorde levaram o Ministério da Fazenda a aumentar sua projeção de crescimento para o PIB (Produto Interno Bruto) em 2023, de 2,5% para 3,2%.

NATHALIA GARCIA / Folhapress

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