Deslizamento de terra na BR-376 que matou dois completa 1 ano sem punições

CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) – O grande deslizamento de terra que matou duas pessoas no trecho da BR-376 em Guaratuba, no litoral do Paraná, completa um ano nesta terça-feira (28). De lá para cá, ninguém foi responsabilizado pelo desastre, que aconteceu em uma rodovia concedida pela União à concessionária ALS (Arteris Litoral Sul). Familiares dos motoristas mortos buscam indenizações na Justiça Federal desde o início do ano.

A investigação sobre o que aconteceu foi feita pela Polícia Civil do Paraná, que concluiu o inquérito em meados do ano, sem indiciamentos. O inquérito policial foi recebido em setembro pelo Ministério Público do Estado, que sugeriu o arquivamento, acolhido pelo Judiciário na sequência.

Na manifestação da 2ª Promotoria de Justiça de Guaratuba, o arquivamento é sugerido porque a principal causa das mortes teria sido “a massa de terra e vegetações que deslizou do talude superior em direção ao talude inferior da encosta, levando de roldão os veículos que se encontravam na faixa da pista atingida”, e não seria possível apontar “ação humana passível de punição na esfera criminal”.

Naquele 28 de novembro, um deslizamento de terra menor já havia acontecido na região, sem vítimas, gerando a interdição parcial da pista, por decisão da concessionária. Por volta das 19h, ocorreu o segundo deslizamento de terra, que atingiu três carros e seis caminhões, e matou duas pessoas.

“O movimento geológico seria um fenômeno natural de causas múltiplas e complexas, não reduzíveis a tipificação penal, sem qualquer prejuízo, por óbvio, das eventuais responsabilizações nas esferas cíveis e administrativas”, continua a Promotoria.

No Ministério Público Federal, o desastre gerou um procedimento preparatório para apurar as responsabilidades ou omissões das instituições envolvidas. Mas, isso também foi arquivado.

Procurada, a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), órgão federal que regula e fiscaliza o contrato de concessão, disse que não foram aplicadas penalidades administrativas por conta do desastre na BR-376.

Mas acrescentou que foi definida junto à ALS uma lista com 11 procedimentos sobre interdição da rodovia em caso de chuva acima de 60mm³ em 24 horas ou 150mm em sete dias. Entre os procedimentos estão informar a PRF (Polícia Rodoviária Federal) do “acionamento do gatilho de interdição por condições climáticas e sobre a interdição total da rodovia em ambos os sentidos”.

Procurada, a Arteris Litoral Sul disse que acompanha em tempo real o volume das chuvas na região, além de uma série de outros indicadores, e que, a partir disso, apoia a PRF na realização de bloqueios emergenciais de tráfego.

Sobre o desastre na BR-376, a concessionária alegou que as suas fiscalizações de prevenção dentro da faixa de domínio da concessão “não indicavam riscos no local dos fatos”.

Também afirmou que a análise técnica que fez sobre o caso mostrou que o deslizamento de terra “teve início com ruptura e posterior acúmulo de água fora dos limites da concessão, a aproximadamente 100 metros além da faixa de domínio”.

Um ano após o deslizamento de terra, uma das seis faixas segue interditada e a concessionária menciona que uma “obra definitiva” ainda precisa ser feita no local.

Já foi restabelecida a capacidade original de tráfego no sentido norte (sentido Curitiba), com as três faixas liberadas, mas, na pista sul (sentido Florianópolis), duas faixas estão liberadas e a faixa da direita, que recebeu a instalação de telamento dinâmico de alta resistência, permanece interditada.

Sobre a execução da obra definitiva, a empresa defende um reequilíbrio financeiro no contrato de concessão e afirma que está em tratativas com a ANTT.

A empresa afirma que o reequilíbrio financeiro é necessário porque “aproximadamente 80% da obra definitiva está fora dos limites de concessão”.

Para a advogada Juliana Bertholdi, é difícil conseguir punir alguém no país nesse tipo de caso. “Quando a gente começa um inquérito policial em casos assim, normalmente a gente está falando de pessoas que tomam as decisões -‘vou abrir a estrada, vou interditar a estrada’-, e é muito difícil a gente conseguir construir um nexo causal entre a decisão das pessoas e o resultado experimentado. A conclusão é de impossibilidade de verificação de conduta criminosa das pessoas no processo de tomada de decisão”, explica ela.

Para a advogada, sobra a sensação de impunidade. “E, na minha leitura, é um ato criminoso. Porque a gente tem ofensa a bens jurídicos, a vida, a integridade física e a propriedade destas pessoas. E é por isso que eu defendo a possibilidade de responsabilizar criminalmente a empresa”, afirma ela.

As duas vítimas mortas são os caminhoneiros Marcio Rogério de Souza, 51, e João Maria Pires, 60.

O advogado Thiago Mattos de Oliveira, que representa os familiares dos dois trabalhadores, disse que entrou no início do ano na Justiça Federal com processos para pedir indenizações por dano moral e material e que ainda aguarda respostas.

Marina de Souza Iavorski, irmã de Marcio Rogério de Souza, disse à reportagem que o caminhão era a principal fonte de renda da família. “Eles [concessionária] até entraram em contato, oferecendo psicólogo, mas não houve indenização. O caminhão era a nossa empresa, minha e do meu irmão. O nosso ganha pão”, disse ela.

CATARINA SCORTECCI / Folhapress

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