BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O desmatamento no cerrado brasileiro cresceu 3% de agosto de 2022 a julho de 2023, comparado ao período anterior, segundo o sistema Prodes. No total, a destruição do bioma ficou em 11.011,7 km².
O aumento, no entanto, ocorreu em meio a uma desaceleração no ritmo de desmate com relação aos valores registrados nos últimos anos. Em 2020, 2021 e 2022 o crescimento foi de, respectivamente, 25%, 8% e 25% na comparação com períodos anteriores.
Segundo o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, esses 3% representam estabilidade, levando em consideração os parâmetros do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisa Espacial). Capobianco afirmou esperar que, daqui para frente, a curva seja revertida para decrescente.
Os dados foram divulgados nesta terça-feira (28), quando o governo federal também lançou o novo PPCerrado (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento no Cerrado), com a promessa de alcançar a meta do desmatamento zero até 2030, ano-chave para frear o aquecimento de planeta, conforme o Acordo de Paris.
O anúncio acontece às vésperas da COP28, a conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas), que será realizada em Dubai (Emirados Árabes) a partir desta quinta (30), e contará com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e da ministra Marina Silva.
Desde o início do terceiro governo do petista, a derrubada de floresta no Brasil vem seguindo a tendência de queda na amazônia, enquanto cresce no cerrado, o que colocou o bioma no foco das atenções das ações de preservação ambiental.
A ministra Marina Silva afirmou que a divulgação dos dados representa uma mudança de política em relação à gestão de Jair Bolsonaro (PL).
Ela lembrou que na última COP, que aconteceu no Egito, o governo federal decidiu não divulgar os dados antes da conferência, mesmo já os tendo prontos, como revelou a Folha de S.Paulo à época.
“Nós fizemos questão [ ] de colocar o dado antes da viagem, exatamente para mostrar que não é com negacionismo que se resolve o problema, é fazendo diagnóstico e apresentando soluções, como lançando já no primeiro ano [de governo] o PPCerrado, feito em tempo recorde”, afirmou.
Os dados do Prodes/Inpe ilustram esse contraste entre os dois tipos de vegetação.
Se no cerrado o movimento é de crescimento, com mais de 11 mil km² de destruição, na Amazônia a curva de desmatamento foi invertida e está em queda.
Pela primeira vez desde 2018, a destruição anual da floresta amazônica ficou abaixo de 10 mil km² -de agosto de 2022 a julho de 2023, foram perdidos 9.001 km² de floresta, uma redução de 22,3% na comparação com o período anterior.
Os dados do Deter -sistema do Inpe que divulga alertas de desmatamento com maior periodicidade, mensalmente, mas com menor precisão- também ilustram essa dinâmica. Enquanto a amazônia vem registrando quedas consecutivas, o cerrado já bateu uma série de recordes mensais de desmatamento.
“Os dados de desmatamento do cerrado apontam uma situação muito crítica que se agravou ao longo de 2023. Estamos diante de um cenário que requer atenção a um bioma que é estratégico para nossa segurança hídrica e energética, já que é o berço de oito das 12 principais bacias hidrográficas do país, mas já observa redução de 15% da vazão de seus rios”, avalia Ana Carolina Crisostomo, especialista em Conservação da WWF no Brasil.
Ainda, 75% do desmatamento no cerrado veio da região conhecida como matopiba, fronteira agrícola composta por Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
“Os governos estaduais, em especial os do Matopiba, precisam se responsabilizar e tomar providências sob o que lhe é de responsabilidade”, diz Yuri Salmona, diretor-executivo do Instituto Cerrados.
PPCERRADO
A nova fase do PPCerrado, segundo o plano oficial, terá como uma de suas metas “coordenar e/ou alinhar o planejamento dos grandes empreendimentos e projetos de infraestrutura e de desenvolvimento na região, com a meta de desmatamento zero até 2030”.
O plano tem previsão de durar até 2027 e participação de pelo menos 12 ministérios, além do Meio Ambiente, e um núcleo para interlocução com estados e municípios.
No documento, são apontados quatro características específicas do bioma em questão e que dificultam as ações de combate e controle com relação, por exemplo, à floresta amazônica.
A dificuldade de monitoramento do desmatamento, por grande parte deste ser autorizado por órgãos ambientais estaduais, não federais; a menor área dedicada a áreas de preservação ambiental; uma acelerada expansão da atividade agropecuária nos últimos anos, que impulsionou a derrubada de floresta; e os incêndios, muitas vezes causados pela ação humana.
“A elevada participação do desmatamento em terras públicas no bioma indica a vulnerabilidade de determinadas porções do território a processos de uso e ocupação irregular do patrimônio público”, diz o documento, destacando a necessidade do combate à grilagem de terra.
O documento também afirma que pretende usar o novo PAC como forma de incentivar projetos de desenvolvimentos na região que sejam ancorados por estudos de viabilidade ambiental e avaliações ambientais estratégicas -que costumam ser pontos de conflito entre o Meio Ambiente e setores produtivos da economia.
Esta é a quarta versão do PPCerrado, que foi implementado pela primeira vez em 2010. Segundo o MMA, os dois períodos de aumento no desmatamento dentro do bioma, em 2012 e após 2019, coincidem primeiro com o momento em que o plano foi temporariamente suspenso e, depois, com sua revogação pelo governo de Jair Bolsonaro (PL).
Segundo o Ministério do Meio Ambiente, para o novo plano, cada estado que compõe o bioma se comprometeu a apresentar planos atualizados de combate ao desmatamento no bioma.
A estratégia é dividida em uma série de eixos, que compõe um total de 13 objetivos, por exemplo o de integrar os dados de desmatamento do bioma, que hoje são pulverizados por diversos órgãos estaduais, municipais e a esfera federal.
Também propõe a destinação prioritária de áreas públicas para terras indígenas e quilombolas, além de unidades de conservação, voltadas à agricultura familiar ou para a regularização fundiária.
“O reconhecimento dos territórios de comunidades tradicionais e povos indígenas, além da criação de Unidades de Conservação devem também ser prioritários para proteger os remanescentes de Cerrado, e para barrar o desmatamento na região”, diz Crisostomo.
“É urgente avançar no processo de regularização fundiária no bioma. Não podemos considerar o CAR (Cadastro Ambiental Rural) como instrumento fundiário, precisamos avançar na agenda específica. É fundamental que haja um esforço para a identificação e destinação das terras públicas federais e estaduais, com destinação prioritária para a regularização fundiária dos territórios”, acrescenta Yuri Salmona.
O plano prevê o incentivo à atividade produtiva sustentável e a implementação de mecanismos de econômicos para preservação da biodiversidade.
O documento ainda destaca o “papel do setor privado na produção sustentável e na corresponsabilização pelas ações de conservação dos recursos naturais, essencial aos próprios processos produtivos”.
JOÃO GABRIEL / Folhapress